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O Que São as Concordatas?



Fonte: Concordat Watch

Estes acordos Igreja-Estado geralmente dão à Igreja Católica enormes subsídios do governo, além de outros privilégios. As concordatas também permitem que os funcionários da Igreja sejam importunados com relação às suas vidas privadas. Todavia, como "Tratados Internacionais", as concordatas escapam do processo democrático, tornando os parlamentos impotentes para modificá-las, e muito mais impotentes ainda para revogá-las depois.

Tratados Internacionais

A Lei Internacional tem sido chamada de "guerra por outros meios". [1] Entre os mais eficazes desses outros meios, estão os documentos papais chamados de concordatas. Uma concordata é um acordo entre o Vaticano e um Estado estrangeiro. Como o Vaticano é considerado um país [2], esses acordos criam um vínculo tão rígido quanto os tratados internacionais — porém existem em um plano mais elevado e possuem uma dimensão "espiritual".

"Uma concordata refere-se a um acordo cordial, uma união de vontades, o encontro bem-sucedido dos corações e mentes na harmonia cristã."

A Igreja Católica Romana tenta estabelecer concordatas com todos os países, e sempre que isso se torna politicamente possível. Essa estratégia se provou ser tão bem-sucedida que agora outras igrejas poderosas (mesmo aquelas que não reivindicam serem países) estão exigindo "tratados igreja-Estado" equivalentes. Entre elas estão a Igreja Luterana da Alemanha, e a Igreja Ortodoxa, da Bielo-Rússia e da Geórgia. Na verdade, se uma concordata futura for assinada entre o Vaticano e a República de Checoslováquia, até mesmo a Igreja Adventista do Sétimo Dia já declarou que também quererá uma. [5] Como um estudo recente elaborado por um teólogo católico conclui: "A Igreja Católica abriu o caminho para todas as comunidades religiosas desfrutarem dos mesmos direitos." [6] Compartilhando os despojos, isto produz um golpe fundamental na separação entre igreja e Estado.

Escritas na Pedra

As concordatas diferem em detalhes de um país para outro, pois codificam os privilégios que a Igreja já usufrui no país — e tentam acrescentar outros, tantos quanto o clima político local permita. Essa erosão da separação Igreja-Estado é perigosa, pois é uma via de mão única. Afinal, em um país democrático, sempre existe a possibilidade de algum privilégio ser revogado, se as circunstâncias mudarem. [7].

Entretanto, o principal objetivo de uma concordata é garantir os privilégios da Igreja, removendo-os do controle democrático. Isto é feito por meio de um contrato que não pode ser alterado, exceto por consentimento mútuo. Todas as outras leis estão sob o controle do Congresso e podem ser modificadas. Entretanto, no caso de uma concordata, como uma das partes é a Igreja, dificilmente ela estará disposta a abrir mão de algum de seus privilégios. Um cardeal admitiu francamente que a vantagem das concordatas reside exatamente nessa independência do controle democrático:

"Outros acordos estão sujeitos à lei local e, portanto, sempre serão frágeis, pois são dependentes dos riscos representados pelos regimes políticos ou pelas maiorias parlamentares do futuro." [8].

Pela Porta dos Fundos

Originalmente, as concordatas eram acordos entre dois monarcas: o papa que governava os Estados Papais e o rei de outro país. João Paulo II conseguiu fazer um acordo desse tipo com o rei Hassan II, do Marrocos, em 1983-1984. Em casos assim, não há um Congresso para criar dificuldades. Hoje, entretanto, com poucos reis e ditadores em cena, concluir uma concordata não é tão fácil, de modo que o Vaticano foi obrigado a desenvolver muitas formas de fazer as concordatas serem aprovadas por congressistas céticos.

Algumas vezes, o texto da concordata pode ser mantido em segredo até que tenha sido assinado, o que evita a discussão dos termos pelo Congresso ou pelo público. Quando os congressistas e o público ficam sabendo o que a concordata diz, ela já não pode mais ser alterada; somente pode ser aprovada ou rejeitada em sua totalidade. Há casos, inclusive, em que esse documento complexo e de caráter permanente é colocado em votação em regime de urgência no Congresso — para não permitir tempo para uma análise detalhada. Se isso não funcionar, as concordatas podem permanecer sem ratificação durante anos, até que apareça alguma oportunidade para escrevê-las na rocha. Em adição às centenas de concordatas que já estão em vigor no mundo inteiro, outras, como a "Concordata de Consciência" eslovaca, estão engavetadas e aguardando o clima político propício para serem ratificadas. Para mais sobre esse assunto, veja Doze Truques Para Conseguir a Aprovação de Sua Concordata.

Dízimos Sem Adoradores

Seja por meios justos ou escusos, a Igreja tenta conseguir as concordatas. Isto não é de se admirar, pois a concordata blinda a Igreja contra todas as consequências financeiras de um número declinante de fiéis. Esse documento conveniente permite que a Igreja amplie seus privilégios, incluindo enormes subsídios do governo, embora o número de fiéis católicos esteja em declínio — e também coloca esses subsídios sob a administração da Igreja. É por isto que o governo eslovaco deseja introduzir um "tributo da Igreja" (uma porcentagem fixa do Imposto de Renda pago pelos fiéis), enquanto que a Igreja quer manter o status quo (uma doação anual de acordo com as necessidades presentes). [9] Se a Igreja conseguir estabelecer verbas para as "necessidades presentes" na próxima concordata sobre finanças, não haverá possibilidade realista de reduzir a contribuição do Estado — nunca mais.

Conclusão
Uma concordata faz três coisas:



Primeiro, instala uma roda dentada. A concordata solidifica os privilégios já existentes e acrescenta novos. O efeito da roda dentada não termina aqui, pois uma "concordata geral" pode ser usada para preparar a estrutura para concordatas mais detalhadas no futuro. A concordata geral atua como a ponta mais fina de uma cunha: seus termos são bastante vagos, fazendo com que ela possa ser aprovada facilmente pelo Congresso/Parlamento de um país [10], mas se os congressistas mais tarde criarem obstáculos diante das concordatas mais detalhadas, será dito a eles que já aceitaram as concordatas em princípio. Além disso, se a concordata geral incluía um "propósito" de concluí-la depois de certo tempo, isso pode ser usado para aplicar mais pressão, apresentando-a para a mídia como uma "promessa". [10] Uma concordata de estrutura é como uma boneca russa, que contém outra boneca em seu interior.


Segundo, e ainda mais funesto, como a concordata tem o status de Lei Internacional, ela impede que os privilégios da Igreja, incluindo os enormes subsídios pagos pelo governo, sejam algum dia colocados sob o controle democrático.


Terceiro, uma concordata estipula que "as instituições da Igreja" são governadas pelo Direito Canônico (a lei da Igreja Católica). Entretanto, como a Igreja recebe a permissão de administrar diversos serviços sociais — com o suporte do governo, é claro — as leis que governam essas instituições da Igreja também afetam aqueles que trabalham e aqueles que são atendidos por elas. Essa manobra jurídica significa que uma concordata pode criar um feudo teológico em que certos direitos humanos não se aplicam — e onde nunca poderão ser reintroduzidos sem o consentimento da Igreja.

Por meio das concordatas, os diplomatas e advogados do Vaticano estão montando um ataque contra muitas das liberdades que conquistamos desde então — direitos que considerávamos inquestionáveis. As concordatas do Vaticano representam uma ameaça crescente contra a democracia e contra os direitos humanos.
Notas

Sobre a gravura: Vestindo sua reluzente armadura prateada e brandindo sua espada, o pontífice barbudo cavalgava à frente de seu exército. Quando se tratava de expandir a influência papal, Júlio II — il papa terribile — era bem direto. Entretanto, desde o tempo do irascível "papa guerreiro", meios jurídicos e diplomáticos passaram a ser preferidos. Um pontífice moderno chefia um batalhão de advogados e diplomatas, brandindo documentos. No século XVI, o "papa guerreiro" estava meramente lutando como os outros monarcas dos tempos feudais. Hoje, entretanto, quando os alvos são as instituições democráticas, muito mais está em risco.

Júlio II, o papa guerreiro, abençoou o primeiro contingente de Guardas Suíços, os únicos soldados de infantaria que podiam resistir a um ataque da cavalaria. A alabarda deles combinava um machado na forma de meia-lua para decepar as pernas dos cavalos, um gancho para agarrar o cavaleiro e derrubá-lo no chão, e uma longa haste pontiaguda, para traspassá-lo.
1. John Fonte, citado em Scott Malcolmson, “Lawfare”, New York Times, 12 de dezembro de 2004, http://www.nytimes.com/2004/12/12/magazine/12LAWFARE.html.

2. Muriel Fraser, "A Tiara Tripla do Vaticano: Igreja, Governo e País" (artigo CW-07).
3. "The History of Ideas Vol 6: Treaty — Linguistic Issues" http://science.jrank.org/pages/11506/Treaty-Linguistic-Issues.html.

4. "The History of Ideas Vol 6: Treaty — Jurisprudence", http://science.jrank.org/pages/11510/Treaty-Jurisprudence.html.

5. "Czech Republic: Adventists continue to seek own agreement with state", Adventist News Network, 4 de novembro de 2003. http://news.adventist.org/data/2003/1067958815/index.html.

6. Roland Minnerath, "The Experience of the Catholic Church in Structuring its Relationship with States in the XX Century", 2000. [O autor é professor titular na Faculdade de Teologia Católica da Universidade Marc Block, em Estrasburgo.] http://www.vob.ru/public/bishop/istor_vest/2000/5-6_9-10/1_16.htm.

Por exemplo, o Vaticano tentou, por meio de uma "Concordata de Consciência" na Eslováquia, garantir que os pacientes pudessem ter o tratamento negado, ou até informações de saúde negadas, se isso estivesse em conflito com os escrúpulos religiosos das empresas de assistência à saúde (ou da instituição católica que os empregava). Se ratificada, colocar isso em uma concordata, tornaria a medida irreversível. Em contraste, a "cláusula de consciência" similar, que foi emitida por Ordem Executiva nos dias finais do governo Bush, poderá em breve ser revertida pelo seu sucessor. Veja "Abortion foes, supporters, clash over new rule", AP, 18 de fevereiro de 2009. http://www.usatoday.com/news/health/2009-02-18-abortion-rule_N.htm

8. Jean-Louis Pierre Cardinal Tauran, discurso diante da Conferência dos Bispos Franceses em Lourdes, em 5 de novembro de 2003. Excertos traduzidos disponíveis em "Vatican Foreign Ministers on concordats: Tauran (1990-2003)", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=824.

9. Frans Hoppenbrouwers, "Nationalistic tendencies in the Slovak Roman Catholic Church", Religion in Eastern Europe, Volume XVIII, Number 6, December 1998. [O autor é um historiador da Igreja Católica Romana e secretário de estudos da organização de auxílio da Igreja Católica Holandesa, Communicantes.], em http://www.georgefox.edu/academics/undergrad/departments/soc-swk/ree/hoppenbrouwers.html
10. Veja a Introdução da Concordata com a Eslováquia (2000), http://www.concordatwatch.eu/showkb.php?org_id=849&kb_header_id=755&order=kb_rank%20ASC&kb_id=1222

11. "US Lawmaker prods Israel on pact with Vatican", Catholic World News, 20 de junho de 2006, em http://www.cwnews.com/news/viewstory.cfm?recnum=44870


Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?kb_header_id=822
Data da publicação: 5/8/2009
Revisão: http://www.TextoExato.com
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Doze Truques Para Conseguir a Aprovação de uma Concordata


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: Para o caso de você vir a ocupar o posto de Secretário de Estado do Vaticano, aqui estão doze truques para ajudá-lo a conseguir que as concordatas sejam assinadas e ratificadas. Também estão incluídos muitos exemplos dos seus predecessores. Acima de tudo, não se esqueça da "cláusula da ratoeira", que livra a concordata do controle democrático para sempre e permite que você avance para a próxima. Fortuna

Você acaba de ser indicado Secretário de Estado do Vaticano, o segundo em comando depois do papa. Você sucederá o formidável cardeal Bertone e assumirá responsabilidade pelos negócios da Igreja, tanto na Cidade do Vaticano quanto no mundo inteiro. Para ajudá-lo a conduzir a diplomacia do Vaticano, você terá um ministro das Relações Exteriores (chamado de Secretário das Relações com os Estados). Entretanto, o trabalho de conseguir a ratificação das concordatas estará sob sua responsabilidade. Para ajudá-lo nas negociações, aqui estão algumas dicas, com exemplos úteis de como seus predecessores agiram para concluir muitas centenas de concordatas:

1. Nunca se esqueça da cláusula da ratoeira no fim do documento. Ela faz com que a concordata vigore para sempre. Logicamente, você precisará redigir a frase de um modo bastante suave, usando o termo "mútuo consentimento", mas o verdadeiro significado é que qualquer alteração (inclusive o cancelamento) precisará ter o consentimento do Vaticano. Isso efetivamente retira a concordata do controle do Parlamento e dá ao Vaticano o poder de veto sobre quaisquer modificações — para sempre.



Em 2006, a Hungria ingenuamente acreditou que haveria a possibilidade de renegociar os enormes pagamentos feitos à Igreja, que eram devidos por causa da Concordata Financeira. Observando cuidadosamente todos os protocolos, o ministro húngaro das Relações Exteriores viajou até Roma, mas descobriu que ninguém lá no Vaticano estava disponível sequer para conversar com ele. A ratoeira já estava fechada.

2. Se possível, faça a concordata com um ditador. Assim, você não terá de se preocupar que uma legislatura democrática possa bloquear o acordo: a assinatura do ditador é tudo o que você precisa conseguir. Como disse um superior-geral da Ordem dos Jesuítas: "A Sé Apostólica, para evitar o risco de zombarias, normalmente entra em solenes envolvimentos somente onde um governo civil não esteja debaixo da obrigação de buscar o consentimento de um corpo representativo..." [1].



Concordatas foram assinadas por ditadores que não precisavam prestar contas a um Parlamento, como Mussolini (Itália), Hitler (Alemanha), Franco (Espanha), Duvalier (Haiti), Trujillo (República Dominicana), Dollfuss (Áustria), Houphouet-Boigny (Costa do Marfim), Aramburu e Ongania (Argentina).

3. Se não houver um ditador disponível, busque o apoio de políticos obedientes e submissos para garantir que a concordata seja ratificada. O superior-geral dos jesuítas continua: "... ou onde não possa haver dúvida razoável que esse consentimento possa ser obtido." Esses políticos ajudarão na aprovação da concordata, ou porque são católicos conservadores que estão dispostos a sacrificar as vontades de seu eleitorado às vontades do papa, ou porque precisam do apoio político do Vaticano. E não se esqueça de receber as dívidas de gratidão. Um acordo financeiro e jurídico altamente favorável ao Vaticano teria envolvido "ligações telefônicas entre pessoas influentes na alta cúpula do sistema político, que a Igreja estava pedindo a retribuição de favores de velhos amigos nos altos escalões." [2].



Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o Vaticano conseguiu uma concordata muito favorável com a Áustria, elevando a insegurança política de Dollfuss e depois aumentando suas demandas na concordata de rascunho. Certamente não havia "dúvida razoável" a respeito da conclusão daquela concordata. Na verdade, em 1933, o atribulado Dollfuss estava com pressa de assiná-la antes que o Vaticano a revisasse novamente. Naquele tempo, essa assinatura era mesmo suficiente, pois durante o curso das negociações da concordata, Dollfuss tinha dissolvido o Parlamento. [Veja: Concordat negotiation: Austria, 1933].

4. Não faça concordatas durante uma guerra. Aguarde, e depois negocie com o vitorioso. Há um perigo com as alterações frequentes demais, pois quanto mais uma concordata recebe aditamentos, mais poder simbólico é perdido. Deve permanecer politicamente impensável que as concordatas possam ser alteradas ou revogadas sempre que desejado. (A vontade dos eleitores não conta.).



Durante a Segunda Guerra Mundial, a única concordata importante foi assinada com Portugal, que mantinha neutralidade na guerra.


Embora o ditador espanhol Franco estivesse firmemente aliado com a Igreja durante a guerra, o Vaticano somente esteve disposto a lhe dar um "Acordo" menos oficial, aguardando até 1953 (quando ficou finalmente claro que o regime franquista sobreviveria em uma Europa pós-guerra) para permitir que ele tivesse sua concordata.

5. Dicas de assinatura. Para evitar muitas perguntas, pode ser útil fazer a concordata ser assinada quando o Parlamento do país não estiver em sessão, como na Polônia, em 1933. Melhor ainda, é claro, é manter o texto da concordata em segredo até que ela seja assinada. Isso apresenta aos legisladores um fait accompli (fato consumado): um documento já assinado pelo chefe de Estado e que não pode mais receber emendas. Neste ponto, a concordata somente pode ser aceita ou rejeitada em sua totalidade. [5].



O rascunho da Concordata com a Checoslováquia foi mantida em segredo até 2002, quando foi assinada, mas isso não conseguiu convencer os desconfiados checos e a concordata ainda não foi ratificada.



A Geórgia é outro país em que uma concordata com o Vaticano enfrentou dificuldades. Aqui também, o texto somente foi revelado quando estava prestes a ser assinado. Entretanto, nem mesmo essa precaução foi suficiente: enormes passeatas lideradas pela Igreja Ortodoxa tomaram as ruas em 2003 e levaram ao súbito cancelamento da cerimônia de assinatura com a igreja rival.


Entretanto, nos estados de Brandenburgo (2003) e Hamburgo (2005), na Alemanha, manter os textos em segredo até a assinatura funcionou com um encantamento: os alemães se mantiveram disciplinados e aceitaram aquilo que as "autoridades" tinham aprovado.


O melhor de tudo é quando você não somente consegue manter o texto da concordata em segredo até que ela seja assinada, mas também consegue blindar o chefe de Estado contra a imprensa de seu país, fazendo-o visitar o Vaticano e caladamente levá-lo à "Sala dos Tratados". Assim foi feito com o ditador português Salazar, em 1940, e com o presidente do Brasil, Lula da Silva, em 2008. (Veja: Como Assinar uma Concordata Por Debaixo dos Panos).

6. Dicas para a ratificação. Uma vez que a concordata seja assinada, tente conseguir agendar para que ela seja ratificada depois de poucos dias. Isso evita um debate apropriado no Parlamento, elimina a discussão pelo público e não permite tempo hábil para que juristas independentes possam examinar um documento complicado e escrito em uma linguagem opaca.



Assim foi feito com a Concordata Alemã de 2003 em Brandenburgo (até que uma "toupeira" infiltrada revelou o texto). [4] E a Concordata com a Eslováquia, de 2003, foi ratificada apenas dezesseis dias úteis após ter sido colocada na mesa para assinatura.

Tente conseguir a ratificação da concordata por todos os meios possíveis, constitucionais, ou não.



A Concordata com a Polônia foi aprovada por maioria simples, embora a Constituição requeira uma maioria de dois terços.

7. Se você não conseguir que ela seja ratificada imediatamente, sente-se rígido e aplique pressão constante. Uma futura eleição pode fazer o governo vir buscar o apoio da Igreja, ou talvez um governo mais pró-Vaticano chegue ao poder. O tempo está ao nosso favor. As concordatas funcionam como rodas dentadas: os progressos serão preservados e quaisquer derrotas não.



No ano anterior às eleições presidenciais e parlamentares na Eslováquia (fevereiro e setembro de 1998, o Vaticano enviou seu Secretário das Relações com os Estados para negociar a primeira concordata.


Até mesmo na Polônia, onde levou cinco anos, uma mudança de governo e duas viagens do papa, em 1998 a concordata deles finalmente foi ratificada.

8. "O primeiro a chegar é o primeiro a moer". Sendo um clérigo da Igreja, você conhece este provérbio latino: Primus veniens primus molet, que se refere à longa fila de produtores rurais que aguardavam para moer seus grãos nos moinhos romanos, como este em Córdoba. Isso significa que você deve tentar fazer sua concordata ser aprovada antes que o país obtenha uma legislação democrática competidora, como uma Constituição ou uma Lei da Liberdade Religiosa. (Mesmo que você somente tiver tempo para conseguir a assinatura da concordata, mas não a ratificação, isto pode fazer o truque funcionar.) Então você tem o fait accompli jurídico, em que a Constituição ou outras leis básicas precisam se acomodar à concordata, e não o contrário. Destarte, o Vaticano chega até a determinar as regras básicas do país. Entretanto, se você não obtiver isso, então pode ser necessário conseguir a modificação da Constituição do país.



A Constituição da Itália do pós-guerra, de 1947, teve de se acomodar à Concordata de 1929, assinada pelo ditador Mussolini.


Um ano após a morte do ditador Franco, a Concordata com a Espanha foi rapidamente modificada para evitar que ela fosse totalmente descartada. Em seguida, veio a Constituição de 1978, cedo demais para permitir negociações de uma concordata. Entretanto, quatro concordatas de substituição estavam em vigor no fim de 1979. Isso as colocou na frente da Lei da Liberdade Religiosa, de 1980, que deu uma interpretação jurídica mais precisa aos princípios gerais da Constituição. Assim, a Lei da Liberdade Religiosa somente se aplica às outras denominações religiosas: os assuntos ligados à Igreja Católica são regulados pelas concordatas de 1979. [5].


Na Polônia, a antiga Constituição foi caladamente emendada em 1991 para remover a necessidade de uma concordata se conformar à Constituição do país. Em seguida, uma concordata foi assinada rapidamente, antes da finalização da nova Constituição. Isso obrigou o governo polonês a remover a referência à separação igreja-Estado que tinha sido colocada no rascunho inicial da Constituição.


Na Eslováquia, por outro lado, a Constituição, que já estava em vigor, foi rapidamente emendada, para dar ao rascunho da "Concordata de Consciência" precedência sobre a legislação nacional. A Cláusula da Precedência Eslovaca remove a concordata do controle do Parlamento.

9. Use a abordagem suave da "Concordata de Estrutura". Esse tratado é como uma boneca russa: ele promete tratados adicionais, com os detalhes a serem negociados posteriormente. Essa abordagem gradual o ajudará a superar a oposição política.



Esta estratégia se mostrou inestimável na Eslováquia, onde o breve "Tratado Básico" de 2000 definiu os princípios em termos abstratos, e somente após a "Concordata de Consciência", que se seguiu, definiu as implementações detalhadas, é que a maioria dos eslovacos percebeu como aquilo poderia suprimir suas liberdades. Mas não importa: em princípio eles já tinham concordado e, em 2007, o papa conseguiu que parte da "Concordata de Consciência" fosse aprovada como lei eslovaca, ao mesmo tempo em que ainda pressionava para ela ser revivida, apesar das objeções dos especialistas em direitos humanos da União Europeia.


Uma Concordata de Estrutura também se provou muito útil com Israel. Quando o governo israelense se mostrou relutante em assinar as concordatas seguintes, que eram mencionadas na Concordata de Estrutura, em 2007 um alto oficial do Vaticano acusou publicamente o governo de Israel de não honrar suas "promessas".

10. Prepare o terreno para futuras concordatas, mesmo antes da divisão de um país. É especialmente recomendável incentivar tacitamente as ambições separatistas de um enclave católico.



Em 1990, para consternação do governo da Checoslováquia, o papa João Paulo II visitou a parte eslovaca da federação, onde beijou o solo, como se estivesse entrando em um país diferente. Além disso, os bispos eslovacos, em pronunciamentos "codificados" para os fiéis, acentuavam o direito abstrato à autodeterminação e não pediam um referendo, que provavelmente teria impedido a divisão. [6].


Em 2006, para indignação do governo da Geórgia, o Vaticano sinalizou o reconhecimento da Abkhazia. Em um caso como este é uma boa ideia tirar o chapéu político, vestir o chapéu religioso e afirmar que suas negociações não têm nada que ver com política, mas estão meramente preocupadas com "ajuda humanitária". (Veja: Embaixador do Vaticano convocado pelo ministro georgiano das Relações Exteriores após uma visita a Abkhazia.).

11. Compartilhe o bolo. Muitos que afirmam comprometimento com a separação Igreja-Estado podem ser subornados. (Você pode depois chamar os opositores de "secularistas fundamentalistas"). Dê-lhes uma pequena fatia para que você possa guardar o resto do bolo para si. Citando o ecumenismo do Concílio Vaticano II, encoraje seus acordos Igreja-Estado". Esses acordos não têm a força de um tratado internacional, mas servem para fazer as outras religiões "reconhecidas" se sentirem importantes e darem seu apoio para a concordata.



Como um teólogo católico escreveu em 2000: "A Igreja Católica abriu o caminho para todas as comunidades religiosas desfrutarem dos mesmos direitos." As objeções pelas outras religiões podem ser respondidas com o conselho para que negociem suas próprias concordatas, como é feito na Alemanha, onde um acordo Igreja-Estado para as religiões não-católicas "reconhecidas" é chamado de Staat[skirchen]vertrag. Essa estratégia de compartilhar os despojos também funciona para o imposto da igreja: na Itália um intesa. (O sistema italiano da concordata-intesa ainda deixa você com 90% do bolo. Bonus gustatus!).


Pela primeira vez, a concordata assinada com o Brasil, em novembro de 2008, inclui explicitamente o direito das outras confissões religiosas ministrarem aulas de religião nas escolas públicas. (Artigo 11).

12. Naturalmente, não mencionaremos os "entendimentos" com membros da Opus Dei e outros políticos católicos conservadores. Entretanto, mesmo em público, se você usar as palavras corretas, pode eficazmente usar ameaças e promessas para fazer avançar as negociações.

As visitas do papa são úteis: como as mensagens delas são altamente políticas, mostram aos políticos a força do eleitorado católico conservador e, como um benefício adicional, elas são pagas pelo seu anfitrião. (Veja: The hallelujah weekend of Ireland e Papal photo-up for the next concordat).



Pronunciamentos inflamados dos bispos, especialmente em conjunto com passeatas, também podem ser usados para fazer uma advertência ao governo, ou até mesmo tentar provocar sua queda. (Veja: Catholic Church steps up campaign to oust Spanish government, 2005 e Spanish government protests to Vatican over bishops' election comments, 2008.).



Os países do ex-bloco comunista alegremente aceitam as ofertas do Vaticano de ajuda para ingressar na Comunidade Europeia, com suas oportunidades de emprego e adoção do valorizado euro. O preço, é claro, é uma concordata. (O exemplo mais recente é o da Bielo-Rússia. O Vaticano deseja uma concordata com esse país de maioria predominantemente ortodoxa, em troca de uma promessa de ajudá-lo com o que o cardeal Bertone chama de "papel e lugar da Bielo-Rússia na comunidade internacional". Como um comentarista bielo-russo expressou com otimismo: "O cardeal poderia ser uma espécie de intermediário entre a Europa e a Bielo-Rússia. E um intermediário muito influente." Alguns podem suspeitar que para fazer essa relíquia stalinista ser aceita na UE, o Vaticano precisaria operar um milagre — mas essa é exatamente sua especialidade.).

Notas Finais

1. Francis Xavier Wernz, SJ, Jus Decretalium I, 166, (Roma, 1905). Ele foi um famoso canonista na Universidade Gregoriana, em Roma, que mais tarde se tornou superior-geral da Sociedade dos Jesuítas e um assessor de confiança do papa Pio X. http://www.americamagazine.org/articles/orsy.htm

2. Sam Smyth, "State lost high-stakes game with two nuns", Independent.ie, 22 de maio de 2009. http://www.independent.ie/opinion/analysis/state-lost-highstakes-game-with-two-nuns-1747597.html

3. "Konkordat in Brandenburg", IBKA Rundbrief, dezembro de 2003. http://www.ibka.org/artikel/rundbriefe03/brandenburg.html

4. Gerd Wartenberg, “Offener Brief an die Mitglieder des Landtags und der Landesregierung Brandenburgs”, 30 de outubro de 2003. http://www.ibka.org/artikel/ag03/hvbbkon.html

5. Jaime Rossell, “State-Religion relations in Spain and Portugal: a brief outline”, 1999, pág. 5. http://www.olir.it/areetematiche/56/documents/Rossell_Istanbul1999.pdf. O autor é um professor de Direito na Universidade de Extremadura.

6. Frans Hoppenbrouwers, “Nationalistic Tendencies In The Slovak Roman Catholic Church”. Religion in Eastern Europe, Volume XVIII, Number 6, dezembro de 1998, pág. 7-8. O autor é um historiador da Igreja Católica Romana e Secretário de Estudos da organização de auxílio da Igreja Católica Romana Holandesa, Communicantes.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=31731
Data da publicação: 6/8/2009
Patrocinado por: V. C. D. R. — Brasília / DF
Revisão: http://www.TextoExato.com
A Espada do Espírito: http://www.espada.eti.br/cw-02.asp

Como Assinar uma Concordata Por Debaixo dos Panos


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: para fazer uma concordata ser aceita por um Estado laico, como o Brasil, é necessário intriga: uma assinatura secreta no Vaticano, um acordo implícito com a mídia evangélica para se manter calada e o lóbi dos bispos para evitar um amplo debate no Congresso.

Em maio de 2007, o papa viajou até o Brasil, o país com a maior população católica do mundo. Entretanto, seu encontro de trinta minutos com o presidente foi divulgado como uma visita polida, porém tensa, com o governo do Brasil refutando as tentativas do papa de fazer uma concordata, com base no fato de ser um Estado laico. [1] O que ninguém sabia naquele momento era que o trabalho no texto da concordata já tinha começado desde 1991, e que negociações formais estavam ocorrendo desde 2006. [2] Dezoito meses após a visita papal, o presidente brasileiro fez uma visita de retribuição ao Vaticano, que foi assumida como uma simples visita de cortesia "a caminho de Washington". [3] Entretanto, uma vez que chegou lá, o presidente foi encaminhado à Sala dos Tratados e assinou a concordata desconhecida. Esse roteiro foi uma repetição da assinatura da Concordata Entre o Vaticano e a República de Portugal. Em 2004, o presidente português também preferiu assinar caladamente o documento fora da vista de seus concidadãos. [4].
"Barriga ou autocensura?"

Após a assinatura de surpresa, as "Altas-Partes Contratantes" fizeram o melhor para evitar qualquer contestação, e simplesmente mantiveram o fato longe da mídia. Um informativo do governo fez uma discreta menção a um "acordo administrativo". [5].

"Houve abraços, bênçãos, fotos e nenhuma declaração sobre o teor do encontro entre o presidente da República e o Sumo Pontífice. O noticiário dos dias seguintes foi insignificante, desencontrado e visivelmente despistador." [6].

Até mesmo a poderosa mídia evangélica evitou o assunto. Por exemplo, a Igreja Universal do Reino de Deus, é uma seita pentecostal que prega a Teologia da Prosperidade e apresenta o dízimo como um investimento. "A experiência no Brasil mostra que essa igreja vê o controle da mídia como crucial em sua campanha para conquistar mais fiéis e dizimistas." [7] O governo tem ajudado, concedendo à igreja licenças para 23 retransmissoras de televisão, 40 estações de rádio, e o registro para pelo menos 19 empresas, que estão sob o controle de membros e bispos da igreja. [8] O império da mídia evangélica no Brasil não iria sacudir o barco. [9] Como resultado, o texto em português, embora tenha sido publicado no sítio do governo brasileiro na Internet, simplesmente não foi discutido publicamente.

Mas como mantê-lo fora do alcance das pessoas que não falam o português? O Vaticano teve uma ideia esperta: anunciou que "não iria publicar o texto do acordo até que ele fosse ratificado pelo parlamento brasileiro." [10] Isto era literalmente verdade: o Vaticano não iria publicá-lo, mas enganou as pessoas, levando-as a pensar que o documento também não seria publicado por ninguém mais. Duas semanas após a assinatura, o semanário católico britânico The Tablet, "interpretou" a declaração do Vaticano como "o acordo ainda não foi publicado". [11] Portanto, embora o texto estivesse no sítio do governo na Internet, permaneceu invisível para o mundo exterior: as pessoas que acreditam que algo não está publicado não vão procurar aquilo.

Entretanto, à medida que a notícia se espalhou pelo Brasil, apesar da falta de discussão pública, o Vaticano tentou encontrar um modo de impedir o debate. No início de maio, alguns políticos subitamente começaram a argumentar que seria melhor que a concordata fosse discutida por um comitê da Câmara, e não por todo o Congresso. [12] Em seguida, em meados de junho, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou um de seus membros para visitar o presidente do Congresso e pedir sua ajuda para colocar a tramitação da concordata em regime de urgência — uma tentativa direta de interferir no processo democrático.
Notas Finais

1. "Pope meets Lula, asks youth to evangelize (2nd Roundup)", DPA, 11 de maio de 2007. http://www.monstersandcritics.com/news/americas/news/article_1302981.php/.

2. "Bento XVI recebe presidente Lula", Rádio Vaticano, 13 novembro de 2008. http://www.ejcneves.com.br/noticias.php?id=149.

3. Roseli Fischmann, "Omissão da mídia sobre o acordo com o Vaticano" Observatório da Imprensa, 18 de novembro de 2008. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=512JDB002.
4. Ibidem.

5. Alberto Dines, editorial: "Barriga coletiva ou autocensura?", Observatório da Imprensa, 25 de novembro de 2008. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/oinatv.asp?tv_edi=488.

6. Alberto Dines, Observatório da Imprensa, 17 de fevereiro de 2009. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=525IMQ005.

7. "Church makes airwaves", BBC, 3 de agosto de 2000. http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk/864623.stm.

8. "Evangelical Media Empire in Brazil Goes to Court to Intimidate Press", Brazzil Magazine, 31 de janeiro de 2008. http://www.brazzilmag.com/content/view/9096/.

9. Alberto Dines, editorial, Observatório da Imprensa, 25 de novembro de 2008. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/oinatv.asp?tv_edi=488.

10. "Vatican signs agreement over Church status in Brazil ", Total Catholic, 14 de novembro de 2008. http://www.totalcatholic.com/tc/index.php?option=com_content&view=article&catid=20:vatican-news&id=366:vatican-signs-agreement-over-church-status-in-brazil&Itemid=46
11. The Tablet, 21 de novembro de 2008.

12. "Ministro pede apoio para mudança em regra de acordo internacional", 6 de maio de 2009. http://www2.camara.gov.br/homeagencia/materias.html?pk=134188.

13. "CNBB pede rapidez na aprovação do Estatuto da Igreja Católica", 16 de junho de 2009. http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=136211.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.eu/showtopic.php?org_id=15311&kb_header_id=37291
Data da publicação: 7/8/2009
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Por Que É Necessário Cautela com o Acordo Entre a Santa Sé e o Brasil


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: esse acordo servirá como um pé de cabra; ele usa os exemplos menos controversos possíveis de modo a introduzir princípios jurídicos que solaparão a laicidade do Estado brasileiro.

Introdução

Em um anúncio feito de surpresa na semana passada, foi revelado que em 1o de julho o Congresso começará a discutir o acordo que foi assinado em novembro de 2008. Isso estorvou as tentativas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dez dias atrás, de fazer o acordo ser votado em regime de urgência, um procedimento seguido para assuntos urgentes de defesa nacional.

Este é o fato mais recente em uma história que começou com o anúncio em novembro que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva pararia no Vaticano "a caminho de Washington". Entretanto, como se viu, aquilo foi mais do que uma visita de cortesia. Uma vez lá, o presidente foi conduzido à Sala dos Tratados, onde assinou a concordata. O governo brasileiro inicialmente a apresentou como um simples "acordo administrativo". Nas palavras de um editor brasileiro:

"Houve abraços, bênçãos, fotos e nenhuma declaração sobre o teor do encontro entre o presidente da República e o Sumo Pontífice. O noticiário dos dias seguintes foi insignificante, desencontrado e visivelmente despistador." [Alberto Dines, Observatório da Imprensa].

Os críticos observam que esse acordo parece ser um pé de cabra que encontra pretextos para introduzir diversos princípios jurídicos que solapam o Estado laico:



A concordata importa a lei estrangeira para dentro do Brasil, estipulando que a Lei Canônica (da Igreja) será usada nas instituições católicas. Como isso inclui os serviços sociais administrados pela Igreja, a concordata servirá para impor o Direito Canônico sobre seus funcionários leigos e sobre as pessoas atendidas por elas. Na Alemanha, isso é um problema generalizado e particularmente grave para os homossexuais e os divorciados, cujas vidas privadas não se conformam com a Lei Canônica.


A concordata também atua como um pé na porta para permitir o proselitismo das crianças nas escolas públicas. Na Polônia, foram necessários somente vinte anos para que o estabelecimento do catecismo voluntário nas escolas públicas fosse transformado pouco a pouco em lições sobre doutrina católica que, em grande parte do país, tornou-se efetivamente compulsório, e agora é pago pelo governo e entra no cálculo da média final para a aprovação.


A concordata faz o Brasil se comprometer com enormes pagamentos ao Vaticano. Ela obriga o contribuinte brasileiro a subsidiar as escolas católicas, a subvencionar as instituições filantrópicas católicas e a manter os edifícios das igrejas. Ao mesmo tempo, concede à Igreja Católica uma imunidade tributária não especificada e até certas isenções das leis trabalhistas, que poderão ser expandidas. Na Alemanha, a Igreja declara de forma bem explícita que, debaixo dos telhados da casa de Deus, não há contradição fundamental entre os interesses do empregador e dos funcionários. Portanto, não há virtualmente acordos salariais com sindicatos e, é claro, não há o direito à greve.


A concordata contém a infame cláusula da ratoeira no fim do texto, que a fará se tornar permanente uma vez que for ratificada. Não haverá possibilidade de apelação para a Constituição ou para os tribunais brasileiros.

Não se sabe como o Vaticano conseguiu convencer o presidente brasileiro a assinar a concordata furtiva. Lula foi um líder sindical que enfrentou bravamente a antiga ditadura militar. Esse homem de ação simplesmente não foi capaz de reconhecer uma ditadura sorrateira que é implantada por meio de documentos, não pela força das armas.

Cláusula de Separação Igreja-Estado na Constituição Brasileira (Artigo 19):

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

1. — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
2.— recusar fé aos documentos públicos;
3.— criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Cuidado com Este Acordo



Este acordo servirá como um pé de cabra; ele usa os exemplos menos controversos possíveis de modo a introduzir princípios jurídicos que solaparão a laicidade do Estado brasileiro.

O Acordo Impõe uma Lei Estrangeira no Brasil

O Artigo 3 introduz o Direito Canônico do Vaticano (da Igreja) no Brasil. Há uma limitação: "desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras". Entretanto, isso coloca sobre os brasileiros o ônus de provar que alguma regulamentação do Direito Canônico contraria o sistema jurídico do país. O acordo diz que o Direito Canônico será usado meramente dentro dos confins da Igreja. Entretanto, como isso inclui os serviços sociais administrados pela Igreja, na prática o acordo impõe a Lei Canônica na sociedade mais ampla, incluindo a vasta maioria de brasileiros católicos que tem visões mais modernas do que a Lei Canônica.
Primeiros Passos Rumo a uma "Concordata do Casamento"

O Artigo 12 parece preparar o terreno para a eventual introdução da "Concordata do Casamento", o que significa dizer, casamento de acordo com o Direito Canônico, sem a possibilidade de divórcio. Foi assim que aconteceu na Itália de Mussolini, e na Espanha de Franco. Para completar essa cláusula, tudo o que será necessário é "legislação brasileira sobre a homologação de sentenças estrangeiras" que faça a vinculação com as sentenças da Assinatura Apostólica, o tribunal de casamentos do Vaticano. Mas por que os cidadãos brasileiros devem permitir que seus casamentos sejam governados pelas leis de um país estrangeiro?

O acordo com o governo brasileiro menciona a possibilidade de anulação do casamento civil se o casamento religioso for desfeito. Entretanto, não é esse o verdadeiro objetivo da Igreja. Ela tem consistentemente usado o Direito Canônico para proibir os fiéis de fazerem uso do divórcio civil. O Artigo 15.2 da Concordata com a República Dominicana diz que "os cônjuges renunciam à possibilidade do divórcio, que não será aplicável a esses casamentos canônicos". Isso é o que a "Concordata do Casamento" realmente significa. "Legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras" é apenas um modo velado de dizer "o primado da Lei Canônica sobre o Código Civil Brasileiro".

O Vaticano tentou uma introdução similar em duas etapas da "Concordata do Casamento" na Polônia. O Artigo 10.6 pede mudanças na lei polonesa do matrimônio para dar "força" à concordata e negar àqueles que se casaram dentro da Lei Canônica o direito de tentar obter um divórcio civil (a não ser que deixem a Igreja, o que, na prática, pode se provar difícil). A Polônia ainda não aprovou a "lei habilitante", mas assim que um governo suficientemente pró-Vaticano chegar ao poder, a cláusula do casamento entrará em vigor, proibindo o divórcio.
O Brasil paga, a Igreja decide

O Artigo 5 coloca as organizações de serviço social da Igreja em uma posição de paridade jurídica e, portanto, financeira com os serviços sociais administrados pelo governo. Em outras palavras, o contribuinte brasileiro precisará subsidiar esses serviços sociais administrados pela Igreja. O Brasil, como a Alemanha, é particularmente vulnerável à colonização pelas regras jurídicas do Vaticano, pois elas se aplicam a inúmeras instituições da Igreja que oferecem serviços sociais. Em outros países, como na Alemanha e na Eslováquia, isso significou a ausência de serviços de planejamento familiar nos hospitais católicos e forçou os funcionários dessas instituições sociais a se submeterem à Lei Canônica em suas vidas privadas: nada de divórcios, nada de parcerias entre homossexuais, e nada de "viver em pecado".

O Brasil se torna o zelador do Vaticano

O Artigo 6 obriga o Estado brasileiro a "continuar a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis de propriedade da Igreja". Chamá-los de "patrimônio cultural e artístico" não altera o fato que o governo terá de pagar pela conservação e manutenção dos locais de adoração: consertar o telhado e os problemas no encanamento. A Igreja é extremamente rica e pode muito bem pagar pelos consertos em suas propriedades. O dinheiro poderia ser melhor utilizado para melhorar as condições de moradia da população que vive nas favelas.

A imunidade tributária da Igreja roubará o Tesouro brasileiro

O Artigo 15 garante à Igreja a imunidade tributária referente aos impostos das entidades filantrópicas. Entretanto, o histórico da Igreja em outros países mostra como isso é explorado para permitir que ela possa oferecer preços mais competitivos que seus concorrentes. Na Itália, por exemplo, um pequeno santuário dentro dos muros de um cinema, de um complexo turístico, de um restaurante ou de um hotel confere isenção, permitindo que a Igreja Católica deixe de pagar 90% daquilo que deve ao Estado por suas atividades comerciais.

Os brasileiros ficarão amordaçados

O Artigo 2 garante à Igreja o "exercício público de suas atividades", e o Artigo 7 proíbe qualquer forma de desrespeito às "suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais". A Igreja poderá realizar essas atividades fora do círculo dos fiéis, na praça pública, porém sem sofrer críticas da sociedade civil naquele local. A Itália também teve um tratado com o Vaticano, assinado por Mussolini, que sufocou a liberdade de expressão. No ano passado, por causa dos termos desse tratado, uma comediante italiana se viu diante da possibilidade de passar cinco anos na cadeia por "ofender a honra da sagrada e inviolável pessoa" de Bento XVI.

Catecismo nas Escolas Públicas

O Artigo 11 permite que a religião católica seja ensinada às crianças como "disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". Foi também desse modo que começou na Polônia, vinte anos atrás. Um bispo polonês já admitiu que o primeiro passo foi colocar o catecismo nas escolas públicas e ensiná-lo como matéria facultativa; em seguida os salários dos professores do catecismo começou a ser pago pelos contribuintes; depois, as notas na matéria passaram a contar na média para aprovação. Desde então, um passo adicional foi anunciado: a partir de 2009, para muitos alunos, inclusive para os que não são católicos, o catecismo será, na prática, compulsório.

Negação dos direitos trabalhistas?

O Artigo 16 diz que, não apenas os clérigos, mas também os "fiéis consagrados mediante votos" e leigos que realizam tarefas "a título voluntário", não necessitarão da proteção da legislação trabalhista. Poderia isso ser ampliado para permitir que a Igreja faça no Brasil o que faz em outros países, como na Alemanha, onde obriga os funcionários a seguirem o Direito Canônico em suas vidas e trabalhar por menos do que o salário-hora normal?

Preso pela "cláusula da ratoeira"

O Artigo 18 parece inocente: "Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas." Entretanto, isso significa que não se pode apelar para a Constituição ou recorrer aos tribunais brasileiros. O governo do Brasil terá de negociar com o Vaticano e conseguir sua concordância. Um país já tentou fazer isso. Em 2006, um ministro do gabinete húngaro viajou até o Vaticano para tentar renegociar a Concordata Financeira. Ele descobriu que ninguém lá tinha tempo para conversar com ele. A Igreja não abre mão de suas concordatas; elas são feitas em caráter permanente.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=15311&kb_header_id=37281
Data da publicação: 9/8/2009
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Por Que Nem Todas São Chamadas de "Concordatas"?


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: a Igreja define uma concordata como um acordo internacional que inclui todos os itens em sua (atual) lista de desejos. Essa nuança elimina, por exemplo, um acordo que não torne as festas religiosas em feriados nacionais, embora conceda muitos outros privilégios à Igreja e remova-os do controle democrático. A palavra concordata também é omitida, como a própria Igreja admite, por que algumas vezes é politicamente aconselhável fingir que as concordatas sejam outra coisa qualquer.


Por que nem todas são chamadas de "concordatas"?


Primeiro, porque algumas delas realmente não são. Existem diferentes tipos de acordos internacionais e somente um tipo, o tratado, pode ser chamado de concordata. Um tratado vigora e é imposto pela lei internacional, ao contrário de um acordo não tenha a força de um tratado, como uma nota diplomática ou um modus vivendi. Uma concordata implica em reconhecimento diplomático pelo Vaticano e, para evitar isso, os acordos concluídos com vários países comunistas, evitaram totalmente a dimensão internacional e seguiram a forma de um modus vivendi entre o governo comunista e o episcopado local, diplomaticamente deixando o Vaticano de fora. Veja, por exemplo, o modus vivendi com a Polônia, de 1950.


Há também confusão terminológica na imprensa de língua inglesa quando os repórteres fazem uma tentativa honesta de explicar uma palavra com a qual as pessoas não têm familiaridade. Como as concordatas do Vaticano são quase desconhecidas no mundo de língua inglesa, elas são frequentemente referidas na imprensa como acordos, acordos bilaterais, pactos, acertos, convenções ou tratados.


Outra razão é que, pela própria admissão do Vaticano, a palavra concordata não é usada quando pode despertar suspeitas em um país secularizado. Por outro lado, o termo jurídico "Acordo" [...] não representa problema para o laicismo do Estado e a ordem jurídica pluralista e democrática." [1] Assim, a palavra concordata foi evitada durante certo tempo quando, após o Concílio Vaticano II (1962-1965), esses acordos não mais tornavam o catolicismo a religião oficial. Franco foi o último ditador europeu que concedeu direitos religiosos exclusivos em uma concordata. Quando a Espanha se tornou uma democracia, o novo acordo em que a Igreja abriu mão de seu papel como igreja oficial do Estado, foi chamado de acordo.

Esta é uma longa história: Napoleão evitou usar esse termo para sua Concordata de 1801, temendo que a palavra fosse considerada como uma traição aos princípios da Revolução Francesa. Em vez disso, ele a chamou de "Convenção" e esse termo diplomático foi usado por um monarca da dinastia de Bourbon restaurado, para duas outras concordatas em 1828.

Em 1929, o núncio papal Pacelli (o futuro Pio XII) negociou uma concordata com a Prússia social-democrata. Quando os luteranos fizeram objeção, Pacelli sugeriu chamar a concordata de "convenção solene". Todos ficaram satisfeitos. [2] Hoje, ela é oficialmente chamada de "tratado" (Vertrag).

Algumas vezes, esse eufemismo parece ser uma tentativa de deixá-las fora do alcance do radar da opinião pública. Quando a palavra "concordata" é inaceitável politicamente, nem o Vaticano, nem os políticos locais se preocupam em alertar os cidadãos. Então esses acordos são disfarçados usando-se outros nomes, como "convenção", ou "endosso". Concordatas recentes com a França laica de 1974 e 1999 são chamadas — para consumo dos franceses — de "Endossos" (Aventants), porém uma delas ainda aparece na lista das "Concordatas de João Paulo II".

Entretanto, parece ser uma questão do que o mercado está disposto a aceitar. Em 1993, o termo concordata reapareceu como o título oficial da Concordata com a Polônia e, em 2004, também com a Concordata com Portugal.
Apêndice

A seguir o Vaticano explica que a concordata pendente com o Brasil é chamada de "Acordo" porque não cumpre todos os requisitos de uma concordata, por exemplo, não especifica a guarda pelo Estado dos feriados religiosos. Entretanto, considerando-se a tradição constitucional brasileira de separação Igreja-Estado, para não mencionar a oposição do presidente a uma concordata até recentemente, parece provável que a omissão da palavra concordata seja realmente devido ao tipo de cálculo político admitido no fim da explicação dada pela Rádio Vaticano:

"Por que o Acordo com o Brasil não foi chamado de 'Concordata'?" — Rádio Vaticano, 25 de novembro de 2008, em http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=247306

"Para merecer o nome de "Concordata"... um Acordo precisaria contemplar todos os principais itens relativos ao estatuto jurídico da Igreja e também a regulamentação de todas as assim chamadas res mixtae, ou seja, as questões que entram na competência do ordenamento jurídico da Igreja e, ao mesmo tempo, naquele do Estado, como, por exemplo, os efeitos civis do matrimônio canônico e a instrução religiosa nas escolas. Vários destes itens estão incluídos no Acordo; outros, como por exemplo, a regulamentação dos feriados religiosos, não estão presentes, por motivos de oportunidade."

"Aliás, uma segunda razão, também importante, é que a palavra 'Concordata' evoca, na percepção da sociedade, épocas históricas em que nem sempre era corretamente definida a recíproca independência e autonomia entre a Igreja e o Estado, ferindo o princípio da justa e positiva laicidade do Estado, a qual envolve e exige esta recíproca autonomia e, ao mesmo tempo, favorece uma sadia colaboração, no interesse do bem comum da sociedade e de todos os cidadãos. Em suma, o termo 'Concordata' pouco sintoniza, segundo alguns, com a linguagem da laicidade, enquanto o termo jurídico 'Acordo' diz respeito a um pacto internacional entre entidades soberanas, sem nenhum problema para a laicidade do Estado e do ordenamento jurídico democrático e pluralista. Concluindo, a utilização do termo 'Acordo' expressa, sem qualquer ambiguidade, a garantia e o respeito pela laicidade do Estado."


Notas Finais
1. "Por que o Acordo com o Brasil não foi chamado de 'Concordata'?", Rádio Vaticano, em http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=247306.

2. "Peace and the Papacy", Time, 16 de agosto de 1943. http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,933208-3,00.html.


Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=870&kb_header_id=31811
Data da publicação: 10/8/2009
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Revisão: http://www.TextoExato.com
A Espada do Espírito: http://www.espada.eti.br/cw-05.asp

As Concordatas Como Tratados Internacionais


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: as concordatas tomam a forma de tratados entre o governo da Igreja e o governo de um país. Isso permite que elas, em muitos casos, reivindiquem precedência sobre a legislação nacional e, algumas vezes, até mesmo sobre a constituição do país.

As concordatas tomam a forma de tratados bilaterais entre dois governos. Uma parte é o governo do país interessado, a outra parte é a entidade chamada "Santa Sé", que é tanto o governo da Igreja Católica Romana quanto o "Estado da Cidade do Vaticano". [1] Em 1977, a Santa Sé colocou esses seus dois governos sob a lei internacional ao assinar a Convenção de Viena Sobre a Lei dos Tratados. [2].

Princípios da Lei Internacional

A Lei dos Tratados Internacionais está baseada em cinco princípios: livre consentimento, boa fé, que o tratado tem efeito vinculante, que uma mudança fundamental nas circunstâncias pode ameaçar sua continuidade, e que é melhor tentar manter o tratado do que encerrá-lo. [3] Uma vez que o Vaticano tenha obtido uma concordata, muita pressão moral é colocada no princípio que ele é vinculante, [4] mas nenhuma menção é feita ao princípio que mudanças fundamentais nas circunstâncias possam anular o tratado. E certamente não se menciona o fato que os ditadores frequentemente assinam concordatas para obter o apoio da Igreja, porém quando eles são substituídos por governos democráticos, a Igreja procura reter seus privilégios. (Veja "The right gets a concordat, the left, a modus vivendi".).

Estágios de um Tratado

Como qualquer outro tratado, uma concordata precisa primeiro ser assinada, o que sinaliza a intenção de dar continuidade a ela, depois ratificada, o que confirma a assinatura e, finalmente, ser suplementada por legislação habilitante, o que a transforma em lei. As concordatas precisam passar por esses três estágios de criação de um tratado.

A assinatura de um tratado, em muitos casos, não resulta em obrigações jurídicas formais para o país específico. Entretanto, ela requer que o Estado deixe de praticar atos que contrariem o "objeto e propósito do tratado". A assinatura é frequentemente uma expressão do apoio geral do país aos propósitos do tratado e o comprometimento geral do governo de iniciar os procedimentos jurídicos internos necessários para a ratificação. Logicamente, um governo pode precisar de um longo período de tempo para conseguir ratificar um tratado (por exemplo, devido às considerações políticas internas). Os tratados estão normalmente abertos para assinatura por certo período de tempo (como especificado no próprio tratado).

A ratificação de um tratado ocorre normalmente como uma segunda etapa, após a assinatura. Isso envolve a permuta de notas em que os países prometem seguir todas as cláusulas. Um governo somente pode ratificar um tratado após ter completado todos os requisitos jurídicos para a ratificação dos acordos internacionais, em conformidade com sua lei interna. Por exemplo, a lei interna pode requer a aprovação da legislatura (uma ou duas casas, se for uma legislatura bicameral) e/ou pode ser necessário que o país implemente uma legislação para que o tratado tenha efeito jurídico internamente. Uma vez que esse processo esteja concluído, o governo deposita seu instrumento de ratificação, conforme definido no tratado." [5].

A legislação habilitante dá ao governo a autoridade para impor a concordata e é a etapa final. Um simples exemplo disso é uma lei que declare que a concordata é aprovada como um tratado e que está incorporada na lei nacional. Geralmente, a legislação habilitante é aprovada em seguida, mas ocasionalmente, como no caso da Concordata com a Polônia de 1993, as leis nacionais ainda não foram alteradas para impor a controversa "Concordata do Casamento".

Em uma teocracia, como o Vaticano, ou em uma ditadura, como muitos dos países que são seus parceiros em concordatas, a ratificação e a legislação habilitante não envolvem aprovação do parlamento. Portanto, as concordatas do Vaticano com ditadores podem passar sem qualquer oposição. (Para maiores detalhes sobre esses estágios, veja "Doze truques para conseguir a aprovação de uma concordata").

A Concordata de Estrutura

Em casos em que o consentimento pode ser demorado de conseguir, o Vaticano recentemente adaptou para seus próprios fins um tipo de tratado que foi desenvolvido para propósitos bem diferentes, o Tratado Estrutural. Ele é normalmente uma forma de tratado multilateral que estabelece uma estrutura sobre a qual futuros tratados mais intrincados serão construídos, como os protocolos (tratados de aditamento, ou suplementares) ou legislação nacional. [6] Entretanto, o tratado de estrutura também tem sido adotado pelo Vaticano para as concordatas bilaterais recentes, em que a abordagem gradual o ajuda a vencer a oposição política. Essa estratégica provou-se inestimável na Eslováquia, em que o pequeno Tratado Básico definiu os princípios em termos abstratos e foi somente quando a "Concordata de Consciência", que se seguiu, definiu a implementação detalhada, é que a maioria das pessoas percebeu como aquilo poderia influenciar suas vidas. [7].

Uma concordata de estrutura também dá ao Vaticano a chance de incluir uma data-alvo para uma concordata futura mais específica. Assim, na primeira Concordata com Israel, o Acordo Fundamental, definiu no Artigo 10.2c um calendário a ser seguido. Embora somente mencione "objetivos" e não seja legalmente vinculante, ele se provou politicamente útil para o Vaticano, pois lhe permite fazer pressão sobre Israel. Na verdade, o núncio papal em Jerusalém usou esse tratado de estrutura para acusar publicamente Israel de quebrar suas "promessas". [8].

Os Tratados Internacionais dos Direitos Humanos

Os tratados têm o objetivo de resolver as questões internacionais pacificamente. Eles servem para encerrar guerras, extraditar criminosos, ou evitar a pesca ou a poluição excessivas. Os tratados não eram destinados a contornar a separação entre Igreja e Estado — porém isso é exatamente o que as concordatas fazem. Uma concordata usa os mecanismos de um tratado internacional de modo a obrigar um país a dar privilégios a uma determinada organização religiosa dentro de suas fronteiras.

O Vaticano também se aproveita do fato que alguns tratados internacionais são mais do que apenas regulação bilateral de questões contenciosas entre dois Estados: eles também podem ser compromissos multilaterais com os direitos humanos. O papa tentou pintar as concordatas como um tipo de Tratado de Direitos Humanos, um tratado preocupado com a "liberdade religiosa". [9].

A vantagem de fazer uma concordata na forma de um tratado internacional é que isso geralmente se sobrepõe à legislação nacional. Como um tratado é um acordo entre vários países, um deles não pode, sem uma boa razão, simplesmente se desobrigar do compromisso. Assim, seguindo os precedentes do século 19, o Artigo 27 da Convenção de Viena Sobre a Lei dos Tratados declara claramente que uma parte não pode invocar sua "lei interna" como justificativa para romper um tratado. Essa obrigação é sentida ainda mais fortemente em termos dos Tratados dos Direitos Humanos: nenhum país pode simplesmente decidir violar os direitos mais básicos das pessoas.

É por isto que a prioridade jurídica é dada aos tratados internacionais na maioria dos países do mundo. O modo exato como o peso atribuído aos tratados varia de país para país é definido a seguir. O jurista e erudito Alfred de Zayas delineia as diferentes prioridades dadas ao Tratado dos Direitos Humanos, da ONU, em diferentes países. Essa estrutura não se aplicará às concordatas naqueles poucos países, como a Itália, em que a própria constituição faz referência a uma concordata. Entretanto, isto deve ser suficiente para dar uma ideia geral do grande peso atribuído às concordatas:

"O tratado forma parte da lei interna de mais de 80 Estados-membros. Na Espanha e na Holanda, o tratado tem precedência sobre a Constituição. Na Armênia, Panamá, Ruanda e Venezuela, o tratado tem o mesmo peso que a Constituição."

"Em cerca de 50 países, o Acordo não tem status constitucional, porém tem mais força do que a lei nacional. Exemplos são: Chile, França, Itália, Peru, Ruanda, Suíça e Togo."

"Em cerca de 15 países, o Acordo tem a mesma força que a lei nacional, por exemplo, na Bolívia, Egito, Finlândia, Alemanha, Hungria, Iraque, Irã, Líbano, México, República da Coreia, a República da Macedônia (da ex-Iugoslávia) e Uruguai." [10].

Uma descrição precisa da posição hierárquica de uma concordata em várias estruturas jurídicas é dada a seguir, embora somente para alguns Estados-membros da União Europeia:

"Em certos Estados-membros, é reconhecida a primazia dos tratados internacionais sobre todas as leis nacionais, incluindo a Constituição nacional."

"No caso da Itália, esse é na prática o status que é reconhecido aos Pactos de Latrão, de 1929 (que incluem uma concordata) entre a Santa Sé o Estado Italiano, pois o Artigo 7 da Constituição diz explicitamente que o relacionamento entre o governo e a Igreja Católica será regido por esses pactos assinados em 1929. Entretanto, os aditamentos nesses pactos que são aceitos por ambas as partes, não requerem o procedimento de Emendas Constitucionais; tal é o caso, em particular, do acordo entre a República da Itália e a Santa Sé, de 18 de fevereiro de 1984, que revisou substancialmente os Acordos de 1929."

"Em outros Estados-membros, é reconhecida a primazia dos tratados sobre a legislação, mas não sobre a Constituição."

"A França pertence a esta segunda categoria de Estado. Como resultado, se concluída com a França, uma concordata... somente seria aplicável na medida em que fosse compatível com os princípios da igualdade e do laicismo, conforme definidos respectivamente no Artigo 1 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (igualdade) e tanto no Artigo 10 dessa Declaração quanto no Preâmbulo da Constituição de 27 de outubro de 1946 (laicismo). É duvidoso que isso possa acontecer..."

"Em Portugal, os tratados internacionais também não são reconhecidos como tendo primazia sobre a Constituição."

"Similarmente, na Espanha, os tratados internacionais somente podem ser ratificados após uma emenda na Constituição, se uma incompatibilidade for identificada pela Corte Constitucional (Artigo 95 da Constituição), o que significa que a Constituição permanece sendo a lei suprema do país. [11]."

As concordatas são claramente um instrumento jurídico poderoso. Elas permitem que o Vaticano use para seus próprios fins a precedência jurídica frequentemente atribuída aos tratados internacionais, em geral, e aos acordos dos direitos humanos, em particular. Infelizmente, os direitos humanos podem ser manipulados, pois não são absolutos; eles são um conjunto de concessões em que abrir mão de certa medida de liberdade em uma área ajuda a garanti-la em outra. O Vaticano pode distorcer o sistema inteiro proclamando um direito absoluto e então permitindo que ele infrinja os outros direitos. Por exemplo, os defensores dos direitos humanos da União Europeia advertiram que a "concordata de consciência" eslovaca ameaçava importantes direitos humanos, como o acesso à assistência médica. Essa concordata de rascunho faz isso definindo "liberdade de consciência" como "liberdade de consciência católica", com o que ela quer dizer, não as normas da maioria dos católicos, mas as doutrinas formais da Igreja. Ela então passa a declarar a imposição da doutrina da Igreja, definida como "consciência" (católica), como um "direito humano" irrestrito.

A ironia é que essas concordatas agora se mascaram como aquilo que solapam — os Tratados dos Direitos Humanos. Para que ninguém mais tente apontar esse fato, o Vaticano está agora tentando fazer a Organização das Nações Unidas modificar sua definição de direitos humanos de modo a se encaixar com a doutrina da Igreja e com as concordatas que ajudam a impô-la! [12].
Notas Finais
1. Muriel Fraser. "A Tripla Coroa do Vaticano: Igreja, Governo e País", Concordat Watch. http://www.concordatwatch.eu/showtopic.php?org_id=871&kb_header_id=823.

2. " Convenção de Viena Sobre a Lei dos Tratados", Viena, 23 de maio de 1969", A Santa Sé assinou a convenção em 30 de setembro de 1969 e a ratificou em 25 de fevereiro de 1977. http://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsIII.aspx?&src=TREATY&mtdsg_no=XXIII~1&chapter=23&Temp=mtdsg3〈=en.

3. "Principles of International Treaty Law", (a resumo excepcional), http://www.walter.gehr.net/frame2bis.html Sobre a complicada questão de como a mudança das circunstâncias pode invalidar os tratados, veja: Aziz T Saliba LLM, "Rebus sic stantibus: A Comparative Survey", Murdoch University Electronic Journal of Law, Volume 8, Número 3 (setembro de 2001). http://www.murdoch.edu.au/elaw/issues/v8n3/saliba83.html.

4. Giovani Lajolo, Secretário do Vaticano Para Relações com os Estados, 15 de janeiro de 2004. http://www.concordatwatch.eu/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=825.

5. Katherine Hall Martinez, (Diretora Substituta, International Program Center for Reproductive Law and Policy, NY), "Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher", (acessado em 2005 no sítio do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, mas não está mais disponível). http://www.sdnp.undp.org/ww/lists/cedaw/msg00072.html.
6. Foreign and Commonwealth Office [UK], "Glossary of Treaty Terms". http://www.fco.gov.uk/servlet/Front?pagename=OpenMarket/Xcelerate/ShowPage&c=Page&cid=1007029396068.

7. Jarmila Lajcakova, "End of Women’s Reproductive Health Freedoms in Slovakia", Março de 2005. http://www.concordatwatch.eu/showkb.php?org_id=849&kb_header_id=756&order=kb_rank%20ASC&kb_id=1228.

8. "Em novembro, o arcebispo Pietro Sambi — ex-núncio apostólico em Jerusalém […] — causou certa agitação ao dizer que Israel estava continuamente deixando de cumprir suas promessas diplomáticas." "Enviado israelense promete: pacto com o Vaticano em breve", Catholic World News, 4 de dezembro de 2007. http://www.cwnews.com/news/viewstory.cfm?recnum=55127.

9. “Pope seeks to defend church-state concordat in Italy”, Ekklesia, 5 de outubro de 2007. http://www.ekklesia.co.uk/node/5857.

10. Alfred de Zayas, "Le Droit Constitutionnel Et L'internationalisation Des Droits De L'homme”, Recueil des Cours de la Academie International de Droit Constitutionnel, Vol. XI, 2001. http://www.alfreddezayas.com/Lectures/tunis3_fr.shtml Alfred de Zayas, um especialista na legislação internacional dos Direitos Humanos, está falando aqui especificamente sobre a Convenção Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos.).

11. EU Network of Independent Experts on Fundamental Rights, Opinion N° 4-2005, The right to conscientious objection and the conclusion by EU member states of concordats with the Holy See, 14 December 2005, (II.2 [pág. 6], "The status of international law treaties of concordats concluded between States and the Holy See"). http://ec.europa.eu/justice_home/cfr_cdf/doc/avis/2005_4_en.pdf

12. Pontificia Academia Pro Vita, "The Christian Conscience In Support Of The Right To Life", XIII General Assembly, Final Declaration,18 de abril de 2007. http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_academies/acdlife/documents/rc_pont-acd_life_doc_20070315_xiii-gen-assembly-final_en.html.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=12671
Data da publicação: 11/8/2009
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A Espada do Espírito: http://www.espada.eti.br/cw-06.asp

A Tiara Tripla do Vaticano: Igreja, Governo e País

Fonte: Concordat Watch

Sinopse: o Vaticano está inserido na comunidade internacional porque é um Estado; uma vez ali, ele se comporta como uma igreja. [1] Criando três entidades jurídicas, e depois alternando-se com destreza de uma para a outra, o Vaticano consegue obter direitos jurídicos e influência internacionais sem precedentes.



Como truques da cartola levaram à influência internacional:

O correio e a estação de rádio deram ao Estado do Vaticano condição de participar como membro de duas organizações internacionais. Isso, por sua vez, permitiu à Santa Sé (o "governo" daquele território, que é também a hierarquia da Igreja), obter o status de "observador permanente" junto à Organização das Nações Unidas. Isso deu ao Vaticano uma presença ininterrupta e ingresso a todos os foros da ONU, ambos os quais são instrumentos inestimáveis para fazer lóbi.

"O Estado do Vaticano colocou suas estruturas em nosso território", anunciou um indignado apresentador de notícias russo. Mas ele foi rapidamente informado que aquilo não era absolutamente verdade — céus, não — o Vaticano está atuando, não como um Estado, mas como um "centro religioso" [2]. Todavia, quando o clero ortodoxo resmungou por causa da visita do papa à Grécia, o governo pôde retrucar dizendo — céus, não — o papa não está atuando como um líder religioso, mas como chefe de um Estado. [3].

O Vaticano — ou Santa Sé, como é oficialmente conhecido — realiza essa mudança de identidade regularmente:

Em anos recentes, a Santa Sé tem, quando conveniente, tanto afirmado quanto renunciado à sua condição de ser um Estado. Recentemente, e de forma quase simultânea, a Santa Sé reivindicou ser um Estado para reclamar imunidade diplomática nos casos de abuso sexual nos EUA, ao mesmo tempo em que negava ser um Estado para se recusar a cooperar com o Tribunal Penal Internacional. Frequentemente, ao negar seu status de Estado, a Santa Sé afirma ser uma instituição religiosa, acompanhada por exigências que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA protege as ações da Igreja, após declarações que membros da hierarquia estavam tratando de forma inadequada as acusações de abuso sexual. [4].
Na verdade, o Vaticano tem realmente não duas, mas três personalidades, e todas são entidades juridicamente distintas.

A tiara tripla do pontífice pode servir para nos lembrar de seu papel como primaz da Igreja, como presidente-executivo de seu governo e como governante de um minúsculo principado. Isto quer dizer que o pontífice preside três entidades distintas:

*

A Igreja Católica Romana, uma organização internacional que afirma fornecer acesso exclusivo (ou exclusão) para certos destinos no porvir.
*

A Santa Sé, uma monarquia absolutista, cujo governante é indicado por Deus. A Santa Sé é, ao mesmo tempo, o governo da Igreja Católica Romana, e também do Estado do Vaticano.
*

O Estado do Vaticano (oficialmente "Estado da Cidade do Vaticano"), um país com menos de um quilômetro quadrado, cujos 500 cidadãos são todos membros da hierarquia da Igreja.

Podemos iniciar esse conto das múltiplas identidades com a unificação da Itália, em 1870. Foi nessa época que os Estados Papais foram vencidos pelas tropas italianas e o papa perdeu seu reino na região central da Itália. Entretanto, no início do século seguinte, com a ajuda do papa Pio IX, Benito Mussolini chegou ao poder. Em 1929, o governo italiano assinou o Tratado de Latrão com o governo da Igreja, a Santa Sé, devolvendo-lhe terreno suficiente para criar o menor país do mundo, o Estado do Vaticano.

Embora o Vaticano tivesse novamente um terreno para chamar de seu, ele tinha aprendido uma lição valiosa: esse território poderia ser confiscado, mas um governo poderia sobreviver, até mesmo no exílio. Isso é especialmente verdade com a Santa Sé, que é tanto o governo do Estado do Vaticano e o de uma igreja que influencia as mentes de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Esse "governo" desencorpado oferece uma base mais segura do que a simples propriedade de um terreno. Na verdade, provavelmente como uma resposta às objeções ao fato de o Vaticano ser tratado como um país, eles espertamente se definiram como eternos:

"O Cânon 113.1 deixa claro que a 'Igreja Católica' e a Sé Apostólica têm a natureza de uma pessoa moral pela própria lei divina. Isso significa que a Santa Sé, [...] persistirá, até mesmo se reduzida à expressão mais simples na pessoa do papa e até ao fim dos tempos." [5].


Esse "governo" da Igreja, a Santa Sé, é cuidadoso para ter o Estado do Vaticano por perto como um "território vassalo", em vez de governá-lo diretamente. Quando atua na cena internacional, o Vaticano toma a precaução adicional de aparecer com o disfarce de Santa Sé, uma entidade não-territorial, em vez de como o Estado do Vaticano. Isso evita que sua presença internacional e seus privilégios tenham de depender de um pedaço de terra defendido por cento e dez homens armados com alabardas. (Como um ex-integrante da Guarda Suíça revelou recentemente, o arsenal deles inclui agora gás lacrimogênio e aerossol de pimenta, de modo a proteger o "Santo Padre" das atenções dos "fanáticos religiosos". [6]).

Mesmo assim, o minúsculo Estado do Vaticano tem se provado inestimável como um trampolim na diplomacia internacional. Verdade, é a Santa Sé, e não o Estado do Vaticano, que entra em negociações diplomáticas com os outros países. Também é verdade que o mini-Estado não é grande o suficiente para abrigar as embaixadas estrangeiras, de modo que os embaixadores são forçados a residir em Roma, fora de suas fronteiras. Entretanto, se não fosse pelo Estado do Vaticano, a diplomacia da Santa Sé dificilmente poderia funcionar em termos práticos.

Esse intercâmbio diplomático opera em ambas as vias. A Santa Sé mantém seu próprio serviço diplomático, com "Núncios Apostólicos" servindo como embaixadores reconhecidos em países de todo o mundo. O papa também faz "visitas de Estado". Paulo VI, "o Papa Peregrino", tornou-se o primeiro pontífice a visitar cinco continentes, enquanto que João Paulo II conseguiu visitar 130 países. Aqui, como usual, os diferentes papéis são habilmente combinados. Como "peregrinações", essas viagens são espetáculos litúrgicos — e como "visitas de Estado", elas são pagas pelo país anfitrião.

"... As vantagens que a condição de ser um Estado soberano confere, incluindo a não supervisão de suas atividades financeiras por alguma autoridade bancária, a capacidade de emitir passaporte, a concessão de imunidade diplomática e a participação como membro em organizações internacionais no nível de Estado, não devem ser subestimadas." [7].


Em 2005, o Vaticano usou suas pretensões diplomáticas como base para um protesto junto ao governo dos EUA. Ele lembrou aos americanos que a Santa Sé era uma "entidade soberana" e sugeriu que eles se "lembrassem que os atos dela gozam de imunidade, de acordo com a Lei Internacional". [8] Aqui, a Santa Sé estava na verdade invocando "imunidade diplomática" para tentar evitar que a Igreja tivesse de pagar indenizações às crianças vítimas de abuso sexual por seus próprios sacerdotes. [9] E em setembro de 2005, "o Departamento de Justiça dos EUA [...] informou um tribunal no Texas que uma ação judicial que acusava Bento XVI de conspirar para encobrir a molestação sexual de três meninos por um seminarista teria de ser rejeitada, porque o pontífice goza de imunidade como chefe de Estado da Santa Sé." [10].

Os diplomatas do Vaticano, os Núncios Apostólicos, também têm outra importante função. Eles negociam acordos com outros Estados soberanos, de modo a garantirem privilégios para a Igreja. Entretanto, como esses acordos são assinados, não pelos bispos da Igreja, mas por embaixadores da Santa Sé, esses "tratados" (chamados de "concordatas") são regidos pela Lei Internacional. Isso permite que eles se sobreponham à legislação nacional. Destarte, os privilégios concedidos à Igreja são removidos do controle democrático — para sempre. [11].

Entretanto, talvez o maior de todos os benefícios de se apresentar como um governo é o pé de cabra que isso deu ao Vaticano para se infiltrar na Organização das Nações Unidas. Para conseguir isso, ele engenhosamente explorou suas três entidades legais nos últimos 75 anos. Finalmente, o objetivo da participação plena como membro parece estar praticamente ao seu alcance.


Em 1929, o mesmo ano em que foi fundado, o Estado do Vaticano ingressou na União Postal Internacional e, mais tarde, também na União Internacional das Telecomunicações. [12] A participação como membro desses organismos internacionais permitiu à Santa Sé obter, em 1957, privilégios de "observadora" junto às Nações Unidas (ao contrário do mero "status consultivo" conferido à maioria das organizações não-governamentais — incluindo outras religiões). [13] Em 1964, o Vaticano conseguiu que esses privilégios fossem aumentados, quando a Santa Sé obteve a condição de "observadora permanente" junto à ONU. Isso permitiu uma presença ininterrupta na ONU e a participação em todos os seus foros. As duas coisas são inestimáveis para fazer lóbi em importantes eventos da ONU, como a Conferência Sobre População e Desenvolvimento. [14].

Essa conferência foi estratégica para o Vaticano, pois os países em desenvolvimento dependem grandemente da ONU para ajudá-los nos serviços sociais. Consequentemente, as pessoas que vivem nesses países, independente de suas afiliações religiosas, estão cada vez mais sujeitas ao dogma da Igreja — a políticas que condenam milhões de mulheres a ter uma gravidez indesejada e à AIDS. [15].

Como se isso não fosse o suficiente, apenas um ano atrás, os privilégios da Santa Sé foram atualizados para "status de observador avançado", que agora permite que ela participe nos debates da Assembléia Geral da ONU e exerça ainda mais a influência da Igreja. A única coisa que ainda falta para a condição de membro pleno é o direito a voto. Isso virá com o tempo. Como seu observador permanente na ONU comentou serenamente: "Não temos voto porque não queremos." Ao mesmo tempo, ele observou que esse último lance "não fecha as possibilidades para o futuro". [16].

Por meio de entidades juridicamente legais e de seus advogados, o Vaticano pode obter a condição de membro pleno. O capacete papal de três camadas está sendo usado para produzir uma grande tragédia humana.


A Igreja Católica Romana é ao mesmo tempo um Estado nacional e uma corporação multinacional com ramificações praticamente por toda a parte. Sua constituição, o Código do Direito Canônico, dá poder absoluto ao papa; não há apelo nem recurso contra uma decisão ou decreto do Pontífice Romano. (Cânon 333 parágrafo 3) — Jeffrey Nicholls. [17].


Referências

1. The Tablet, (semanário católico britânico), 17 de setembro de 1994, citado por Peter Hebblethwaite, "Vatican's vaunted diplomacy a no-show; moral absolutes trip pope's negotiators at U.N. meeting in Cairo", National Catholic Reporter, 7 de outubro de 1994. http://www.findarticles.com/p/articles/mi_m1141/is_n43_v30/ai_15818453.

2. "Russia: Varied State Response to Orthodox-Catholic Rift", Keston News Service, 22 de fevereiro de 2002. http:
//www.religioscope.com/info/notes/2002_017_russia_ortho_catho.htm.

3. "God's ambassadors", The Economist, 19 July 2007. A ocasião foi a viagem de João Paulo II em 2001. http://www.economist.com/world/international/displaystory.cfm?story_id=9516461

4. Jon O'Brien, "Catholics for Choice Statement on the 80th Anniversary of the Lateran Treaty", 10 de fevereiro de 2009. http://www.catholicsforchoice.org/news/80thanniversary.asp.

5. Palestra do arcebispo Jean-Louis Tauran sobre o tema "A presença da Santa Sé nas organizações internacionais" Universidade Católica do Sagrado Coração, Milão, 22 de abril de 2002. http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/documents/rc_seg-st_doc_20020422_tauran_en.html.

6. Karl-Heinz Früh citado por John Tagliabue, "Swiss Guard marks 500 years as popes' potted plants", New York Times, 18 de novembro de 2005. http://www.nytimes.com/2005/11/18/international/europe/18swiss.html?_r=1&scp=1&sq=Swiss%20Guard%20marks%20500%20years%20as%20popes'%20potted%20plants%22&st=cse&oref=slogin

7. David Ranan, Double Cross: The code of the Catholic Church, Londres, 2006, pág. 24-25.

8. Porta-voz do Vaticano Joaquim Navarro-Valls, citado por John L. Allen Jr, "Vatican asks Condoleezza Rice to help stop a sex abuse lawsuit", National Catholic Reporter, 3 de março de 2005. http://nationalcatholicreporter.org/update/bn030305.htm.

9. Em agosto, o arcebispo Levada “decidiu [!] honrar uma intimação que lhe foi entregue, desse modo aceitando a jurisdição dos tribunais dos EUA. Ele tinha anteriormente se recusado a concordar com a jurisdição e com outras condições." — "Archbishop to turn doctrinal watchdog will answer on abuse", Associated Press, 11 de agosto de 2005. http://www.usatoday.com/news/nation/2005-08-11-archbishop-abuse_x.htm?POE=NEWISVA.

10. "Feds say pope immune from sex-abuse lawsuit", Associated Press, 21 de setembro de 2005. http://www.firstamendmentcenter.org/news.aspx?id=15813.

11. Muriel Fraser, "O Que São as Concordatas?" Concordat Watch.

12. "The History of Stamps Part of a Broader Museum of Human Communications", Estado do Vaticano.

13. David Nolan, "The Catholic Church at the United Nations: Church or State?" 21 de fevereiro de 2001. http://www.catholicsforchoice.org/news/op-eds/2001/20010221churchorstate.asp.

14. Terry Sanderson, “The Holy See Deserves a Voice at the UN which is No Louder than Any Other NGO”, National Secular Society Newsline, 4 de fevereiro de 2004. http://www.secularism.org.uk/32964.html.

Veja também as três seguintes exposições escritas por Jennifer Butler, que teve uma visão de dentro, devido ao seu trabalho no Escritório da Igreja Presbiteriana dos EUA junto à ONU:

*

"For Faith and Family: Christian Right Advocacy at the United Nations”, The Public Eye, Political Research Associates, Summer / Fall 2000. http://www.publiceye.org/magazine/v14n2-3/PE_V14_N2-3.pdf.
*

"Alarmed by Global Progress on Reproductive Rights, the Religious Right Storms the United Nations", TRC Report – News and Views from the Religious Consultation on Population, Reproductive Health and Ethics. http://www.religiousconsultation.org/newsletters/August_2002.htm#UN.
*

"New Sheriff in Town: The Christian Right Nears Major Victory at the United Nations”, Public Eye, Political Research Associates, Summer 2002. http://www.publiceye.org/magazine/v16n2/PE_Butler2.html.

15. "Church or State? The Holy See at the United Nations", Special Report, Center for Reproductive Law ∓ Policy, July 1994. http://www.population-security.org/crlp-94-07.htm.

16. "Vatican's Role at UN Expanded", Catholic Family and Human Institute, 17 de julho de 2004. http://catholicexchange.com/vm/index.asp?art_id=24569. Para um relato mais detalhado, veja: "UNfulfilled: The Holy See Backs off From Its Claim for Full Membership of the UN, Settling for the Rights Already Held by Palestine", Conscience, Winter 2004-05. http://www.catholicsforchoice.org/conscience/archives/c2004win_unfulfilled.asp

17. Jeffrey Nicholls, "The Roman Catholic Church", 2008. http://www.naturaltheology.net/Essays/stolenGod2008.html#The%20Roman%20Catholic%20Church.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=12671
Data da publicação: 12/8/2009
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