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Doze Truques Para Conseguir a Aprovação de uma Concordata


Fonte: Concordat Watch

Sinopse: Para o caso de você vir a ocupar o posto de Secretário de Estado do Vaticano, aqui estão doze truques para ajudá-lo a conseguir que as concordatas sejam assinadas e ratificadas. Também estão incluídos muitos exemplos dos seus predecessores. Acima de tudo, não se esqueça da "cláusula da ratoeira", que livra a concordata do controle democrático para sempre e permite que você avance para a próxima. Fortuna

Você acaba de ser indicado Secretário de Estado do Vaticano, o segundo em comando depois do papa. Você sucederá o formidável cardeal Bertone e assumirá responsabilidade pelos negócios da Igreja, tanto na Cidade do Vaticano quanto no mundo inteiro. Para ajudá-lo a conduzir a diplomacia do Vaticano, você terá um ministro das Relações Exteriores (chamado de Secretário das Relações com os Estados). Entretanto, o trabalho de conseguir a ratificação das concordatas estará sob sua responsabilidade. Para ajudá-lo nas negociações, aqui estão algumas dicas, com exemplos úteis de como seus predecessores agiram para concluir muitas centenas de concordatas:

1. Nunca se esqueça da cláusula da ratoeira no fim do documento. Ela faz com que a concordata vigore para sempre. Logicamente, você precisará redigir a frase de um modo bastante suave, usando o termo "mútuo consentimento", mas o verdadeiro significado é que qualquer alteração (inclusive o cancelamento) precisará ter o consentimento do Vaticano. Isso efetivamente retira a concordata do controle do Parlamento e dá ao Vaticano o poder de veto sobre quaisquer modificações — para sempre.



Em 2006, a Hungria ingenuamente acreditou que haveria a possibilidade de renegociar os enormes pagamentos feitos à Igreja, que eram devidos por causa da Concordata Financeira. Observando cuidadosamente todos os protocolos, o ministro húngaro das Relações Exteriores viajou até Roma, mas descobriu que ninguém lá no Vaticano estava disponível sequer para conversar com ele. A ratoeira já estava fechada.

2. Se possível, faça a concordata com um ditador. Assim, você não terá de se preocupar que uma legislatura democrática possa bloquear o acordo: a assinatura do ditador é tudo o que você precisa conseguir. Como disse um superior-geral da Ordem dos Jesuítas: "A Sé Apostólica, para evitar o risco de zombarias, normalmente entra em solenes envolvimentos somente onde um governo civil não esteja debaixo da obrigação de buscar o consentimento de um corpo representativo..." [1].



Concordatas foram assinadas por ditadores que não precisavam prestar contas a um Parlamento, como Mussolini (Itália), Hitler (Alemanha), Franco (Espanha), Duvalier (Haiti), Trujillo (República Dominicana), Dollfuss (Áustria), Houphouet-Boigny (Costa do Marfim), Aramburu e Ongania (Argentina).

3. Se não houver um ditador disponível, busque o apoio de políticos obedientes e submissos para garantir que a concordata seja ratificada. O superior-geral dos jesuítas continua: "... ou onde não possa haver dúvida razoável que esse consentimento possa ser obtido." Esses políticos ajudarão na aprovação da concordata, ou porque são católicos conservadores que estão dispostos a sacrificar as vontades de seu eleitorado às vontades do papa, ou porque precisam do apoio político do Vaticano. E não se esqueça de receber as dívidas de gratidão. Um acordo financeiro e jurídico altamente favorável ao Vaticano teria envolvido "ligações telefônicas entre pessoas influentes na alta cúpula do sistema político, que a Igreja estava pedindo a retribuição de favores de velhos amigos nos altos escalões." [2].



Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o Vaticano conseguiu uma concordata muito favorável com a Áustria, elevando a insegurança política de Dollfuss e depois aumentando suas demandas na concordata de rascunho. Certamente não havia "dúvida razoável" a respeito da conclusão daquela concordata. Na verdade, em 1933, o atribulado Dollfuss estava com pressa de assiná-la antes que o Vaticano a revisasse novamente. Naquele tempo, essa assinatura era mesmo suficiente, pois durante o curso das negociações da concordata, Dollfuss tinha dissolvido o Parlamento. [Veja: Concordat negotiation: Austria, 1933].

4. Não faça concordatas durante uma guerra. Aguarde, e depois negocie com o vitorioso. Há um perigo com as alterações frequentes demais, pois quanto mais uma concordata recebe aditamentos, mais poder simbólico é perdido. Deve permanecer politicamente impensável que as concordatas possam ser alteradas ou revogadas sempre que desejado. (A vontade dos eleitores não conta.).



Durante a Segunda Guerra Mundial, a única concordata importante foi assinada com Portugal, que mantinha neutralidade na guerra.


Embora o ditador espanhol Franco estivesse firmemente aliado com a Igreja durante a guerra, o Vaticano somente esteve disposto a lhe dar um "Acordo" menos oficial, aguardando até 1953 (quando ficou finalmente claro que o regime franquista sobreviveria em uma Europa pós-guerra) para permitir que ele tivesse sua concordata.

5. Dicas de assinatura. Para evitar muitas perguntas, pode ser útil fazer a concordata ser assinada quando o Parlamento do país não estiver em sessão, como na Polônia, em 1933. Melhor ainda, é claro, é manter o texto da concordata em segredo até que ela seja assinada. Isso apresenta aos legisladores um fait accompli (fato consumado): um documento já assinado pelo chefe de Estado e que não pode mais receber emendas. Neste ponto, a concordata somente pode ser aceita ou rejeitada em sua totalidade. [5].



O rascunho da Concordata com a Checoslováquia foi mantida em segredo até 2002, quando foi assinada, mas isso não conseguiu convencer os desconfiados checos e a concordata ainda não foi ratificada.



A Geórgia é outro país em que uma concordata com o Vaticano enfrentou dificuldades. Aqui também, o texto somente foi revelado quando estava prestes a ser assinado. Entretanto, nem mesmo essa precaução foi suficiente: enormes passeatas lideradas pela Igreja Ortodoxa tomaram as ruas em 2003 e levaram ao súbito cancelamento da cerimônia de assinatura com a igreja rival.


Entretanto, nos estados de Brandenburgo (2003) e Hamburgo (2005), na Alemanha, manter os textos em segredo até a assinatura funcionou com um encantamento: os alemães se mantiveram disciplinados e aceitaram aquilo que as "autoridades" tinham aprovado.


O melhor de tudo é quando você não somente consegue manter o texto da concordata em segredo até que ela seja assinada, mas também consegue blindar o chefe de Estado contra a imprensa de seu país, fazendo-o visitar o Vaticano e caladamente levá-lo à "Sala dos Tratados". Assim foi feito com o ditador português Salazar, em 1940, e com o presidente do Brasil, Lula da Silva, em 2008. (Veja: Como Assinar uma Concordata Por Debaixo dos Panos).

6. Dicas para a ratificação. Uma vez que a concordata seja assinada, tente conseguir agendar para que ela seja ratificada depois de poucos dias. Isso evita um debate apropriado no Parlamento, elimina a discussão pelo público e não permite tempo hábil para que juristas independentes possam examinar um documento complicado e escrito em uma linguagem opaca.



Assim foi feito com a Concordata Alemã de 2003 em Brandenburgo (até que uma "toupeira" infiltrada revelou o texto). [4] E a Concordata com a Eslováquia, de 2003, foi ratificada apenas dezesseis dias úteis após ter sido colocada na mesa para assinatura.

Tente conseguir a ratificação da concordata por todos os meios possíveis, constitucionais, ou não.



A Concordata com a Polônia foi aprovada por maioria simples, embora a Constituição requeira uma maioria de dois terços.

7. Se você não conseguir que ela seja ratificada imediatamente, sente-se rígido e aplique pressão constante. Uma futura eleição pode fazer o governo vir buscar o apoio da Igreja, ou talvez um governo mais pró-Vaticano chegue ao poder. O tempo está ao nosso favor. As concordatas funcionam como rodas dentadas: os progressos serão preservados e quaisquer derrotas não.



No ano anterior às eleições presidenciais e parlamentares na Eslováquia (fevereiro e setembro de 1998, o Vaticano enviou seu Secretário das Relações com os Estados para negociar a primeira concordata.


Até mesmo na Polônia, onde levou cinco anos, uma mudança de governo e duas viagens do papa, em 1998 a concordata deles finalmente foi ratificada.

8. "O primeiro a chegar é o primeiro a moer". Sendo um clérigo da Igreja, você conhece este provérbio latino: Primus veniens primus molet, que se refere à longa fila de produtores rurais que aguardavam para moer seus grãos nos moinhos romanos, como este em Córdoba. Isso significa que você deve tentar fazer sua concordata ser aprovada antes que o país obtenha uma legislação democrática competidora, como uma Constituição ou uma Lei da Liberdade Religiosa. (Mesmo que você somente tiver tempo para conseguir a assinatura da concordata, mas não a ratificação, isto pode fazer o truque funcionar.) Então você tem o fait accompli jurídico, em que a Constituição ou outras leis básicas precisam se acomodar à concordata, e não o contrário. Destarte, o Vaticano chega até a determinar as regras básicas do país. Entretanto, se você não obtiver isso, então pode ser necessário conseguir a modificação da Constituição do país.



A Constituição da Itália do pós-guerra, de 1947, teve de se acomodar à Concordata de 1929, assinada pelo ditador Mussolini.


Um ano após a morte do ditador Franco, a Concordata com a Espanha foi rapidamente modificada para evitar que ela fosse totalmente descartada. Em seguida, veio a Constituição de 1978, cedo demais para permitir negociações de uma concordata. Entretanto, quatro concordatas de substituição estavam em vigor no fim de 1979. Isso as colocou na frente da Lei da Liberdade Religiosa, de 1980, que deu uma interpretação jurídica mais precisa aos princípios gerais da Constituição. Assim, a Lei da Liberdade Religiosa somente se aplica às outras denominações religiosas: os assuntos ligados à Igreja Católica são regulados pelas concordatas de 1979. [5].


Na Polônia, a antiga Constituição foi caladamente emendada em 1991 para remover a necessidade de uma concordata se conformar à Constituição do país. Em seguida, uma concordata foi assinada rapidamente, antes da finalização da nova Constituição. Isso obrigou o governo polonês a remover a referência à separação igreja-Estado que tinha sido colocada no rascunho inicial da Constituição.


Na Eslováquia, por outro lado, a Constituição, que já estava em vigor, foi rapidamente emendada, para dar ao rascunho da "Concordata de Consciência" precedência sobre a legislação nacional. A Cláusula da Precedência Eslovaca remove a concordata do controle do Parlamento.

9. Use a abordagem suave da "Concordata de Estrutura". Esse tratado é como uma boneca russa: ele promete tratados adicionais, com os detalhes a serem negociados posteriormente. Essa abordagem gradual o ajudará a superar a oposição política.



Esta estratégia se mostrou inestimável na Eslováquia, onde o breve "Tratado Básico" de 2000 definiu os princípios em termos abstratos, e somente após a "Concordata de Consciência", que se seguiu, definiu as implementações detalhadas, é que a maioria dos eslovacos percebeu como aquilo poderia suprimir suas liberdades. Mas não importa: em princípio eles já tinham concordado e, em 2007, o papa conseguiu que parte da "Concordata de Consciência" fosse aprovada como lei eslovaca, ao mesmo tempo em que ainda pressionava para ela ser revivida, apesar das objeções dos especialistas em direitos humanos da União Europeia.


Uma Concordata de Estrutura também se provou muito útil com Israel. Quando o governo israelense se mostrou relutante em assinar as concordatas seguintes, que eram mencionadas na Concordata de Estrutura, em 2007 um alto oficial do Vaticano acusou publicamente o governo de Israel de não honrar suas "promessas".

10. Prepare o terreno para futuras concordatas, mesmo antes da divisão de um país. É especialmente recomendável incentivar tacitamente as ambições separatistas de um enclave católico.



Em 1990, para consternação do governo da Checoslováquia, o papa João Paulo II visitou a parte eslovaca da federação, onde beijou o solo, como se estivesse entrando em um país diferente. Além disso, os bispos eslovacos, em pronunciamentos "codificados" para os fiéis, acentuavam o direito abstrato à autodeterminação e não pediam um referendo, que provavelmente teria impedido a divisão. [6].


Em 2006, para indignação do governo da Geórgia, o Vaticano sinalizou o reconhecimento da Abkhazia. Em um caso como este é uma boa ideia tirar o chapéu político, vestir o chapéu religioso e afirmar que suas negociações não têm nada que ver com política, mas estão meramente preocupadas com "ajuda humanitária". (Veja: Embaixador do Vaticano convocado pelo ministro georgiano das Relações Exteriores após uma visita a Abkhazia.).

11. Compartilhe o bolo. Muitos que afirmam comprometimento com a separação Igreja-Estado podem ser subornados. (Você pode depois chamar os opositores de "secularistas fundamentalistas"). Dê-lhes uma pequena fatia para que você possa guardar o resto do bolo para si. Citando o ecumenismo do Concílio Vaticano II, encoraje seus acordos Igreja-Estado". Esses acordos não têm a força de um tratado internacional, mas servem para fazer as outras religiões "reconhecidas" se sentirem importantes e darem seu apoio para a concordata.



Como um teólogo católico escreveu em 2000: "A Igreja Católica abriu o caminho para todas as comunidades religiosas desfrutarem dos mesmos direitos." As objeções pelas outras religiões podem ser respondidas com o conselho para que negociem suas próprias concordatas, como é feito na Alemanha, onde um acordo Igreja-Estado para as religiões não-católicas "reconhecidas" é chamado de Staat[skirchen]vertrag. Essa estratégia de compartilhar os despojos também funciona para o imposto da igreja: na Itália um intesa. (O sistema italiano da concordata-intesa ainda deixa você com 90% do bolo. Bonus gustatus!).


Pela primeira vez, a concordata assinada com o Brasil, em novembro de 2008, inclui explicitamente o direito das outras confissões religiosas ministrarem aulas de religião nas escolas públicas. (Artigo 11).

12. Naturalmente, não mencionaremos os "entendimentos" com membros da Opus Dei e outros políticos católicos conservadores. Entretanto, mesmo em público, se você usar as palavras corretas, pode eficazmente usar ameaças e promessas para fazer avançar as negociações.

As visitas do papa são úteis: como as mensagens delas são altamente políticas, mostram aos políticos a força do eleitorado católico conservador e, como um benefício adicional, elas são pagas pelo seu anfitrião. (Veja: The hallelujah weekend of Ireland e Papal photo-up for the next concordat).



Pronunciamentos inflamados dos bispos, especialmente em conjunto com passeatas, também podem ser usados para fazer uma advertência ao governo, ou até mesmo tentar provocar sua queda. (Veja: Catholic Church steps up campaign to oust Spanish government, 2005 e Spanish government protests to Vatican over bishops' election comments, 2008.).



Os países do ex-bloco comunista alegremente aceitam as ofertas do Vaticano de ajuda para ingressar na Comunidade Europeia, com suas oportunidades de emprego e adoção do valorizado euro. O preço, é claro, é uma concordata. (O exemplo mais recente é o da Bielo-Rússia. O Vaticano deseja uma concordata com esse país de maioria predominantemente ortodoxa, em troca de uma promessa de ajudá-lo com o que o cardeal Bertone chama de "papel e lugar da Bielo-Rússia na comunidade internacional". Como um comentarista bielo-russo expressou com otimismo: "O cardeal poderia ser uma espécie de intermediário entre a Europa e a Bielo-Rússia. E um intermediário muito influente." Alguns podem suspeitar que para fazer essa relíquia stalinista ser aceita na UE, o Vaticano precisaria operar um milagre — mas essa é exatamente sua especialidade.).

Notas Finais

1. Francis Xavier Wernz, SJ, Jus Decretalium I, 166, (Roma, 1905). Ele foi um famoso canonista na Universidade Gregoriana, em Roma, que mais tarde se tornou superior-geral da Sociedade dos Jesuítas e um assessor de confiança do papa Pio X. http://www.americamagazine.org/articles/orsy.htm

2. Sam Smyth, "State lost high-stakes game with two nuns", Independent.ie, 22 de maio de 2009. http://www.independent.ie/opinion/analysis/state-lost-highstakes-game-with-two-nuns-1747597.html

3. "Konkordat in Brandenburg", IBKA Rundbrief, dezembro de 2003. http://www.ibka.org/artikel/rundbriefe03/brandenburg.html

4. Gerd Wartenberg, “Offener Brief an die Mitglieder des Landtags und der Landesregierung Brandenburgs”, 30 de outubro de 2003. http://www.ibka.org/artikel/ag03/hvbbkon.html

5. Jaime Rossell, “State-Religion relations in Spain and Portugal: a brief outline”, 1999, pág. 5. http://www.olir.it/areetematiche/56/documents/Rossell_Istanbul1999.pdf. O autor é um professor de Direito na Universidade de Extremadura.

6. Frans Hoppenbrouwers, “Nationalistic Tendencies In The Slovak Roman Catholic Church”. Religion in Eastern Europe, Volume XVIII, Number 6, dezembro de 1998, pág. 7-8. O autor é um historiador da Igreja Católica Romana e Secretário de Estudos da organização de auxílio da Igreja Católica Romana Holandesa, Communicantes.

Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=872&kb_header_id=31731
Data da publicação: 6/8/2009
Patrocinado por: V. C. D. R. — Brasília / DF
Revisão: http://www.TextoExato.com
A Espada do Espírito: http://www.espada.eti.br/cw-02.asp

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