Marcelo Gomes
Costumo dizer que há dois tipos de pessoas: as que consideram o passado como carga e as que o consideram como caminho. A diferença entre umas e outras não está relacionada à qualidade das experiências que tiveram, mas à liberdade de que desfrutam em relação a elas. Não é que umas só passaram por coisas boas, enquanto outras, só por coisas ruins. A diferença é que umas deixaram o passado no passado, ao passo que as outras o carregam no presente.
As pessoas que tratam o passado como carga têm problemas bem presentes. Andam encurvadas, cansadas, abatidas, como se trouxessem um enorme fardo sobre os ombros. Perderam toda a mobilidade. Têm medo dos desafios que encontram pela frente e já entram derrotadas nas lutas que se impõem sobre elas. Dificilmente assumem projetos de longo prazo e demonstram falta de perseverança. Não acreditam, por causa dos traumas do passado, que ainda podem ser felizes. Têm sempre uma lembrança trágica interferindo em seu processo atual.
O passado transforma-se em carga quando é compreendido como uma espécie de rotina comum. Acontece aos que repetem, a cada revés: “sempre comigo; só comigo; justo comigo”. Sua impressão é que uma força sobrenatural, arbitrária, rancorosa, determina seus fracassos como um ritmo repetitivo e definitivo, que as acompanhará pelo resto da vida. Seus malogros não serviram ao crescimento e à maturidade, mas viraram um “selo de bagagem”, estampado na valise da vida como um emblema de fracasso e impossibilidade. Marcas permanentes de tristeza e dor.
As pessoas que tratam o passado como caminho assumem o presente como oportunidade. Sabem que estão vivas e vêem, nessa boa notícia, a indicação inequívoca do futuro como porta aberta. Não se deixam contaminar pelos dissabores, não porque não os sofreram, mas porque já passaram. Sabem que serviram de lição, para favorecer a maturidade e permitir um melhor desempenho em novas situações. Suas lembranças são vívidas como imagem e referência, não como dor ou perigo.
O passado transforma-se em caminho para aqueles que se mostram capazes de parar e perguntar: “onde estou?; para onde quero ir?; qual o primeiro passo a dar?”. Não importa onde estejam, ou quão longe de seus anseios tenham chegado: sabem que este ponto é sempre um ponto de partida. Pois quanto mais longe das metas propostas, mais cedo deve-se começar a andar. Os que tratam o passado como caminho já não pensam nos desvios e desastres que enfrentaram, mas nos benefícios de chegar.
Na descoberta da fé, o passado só pode ser caminho, jamais carga. O crente é um viajante desprendido, que corre na direção do alvo sem temer os desafios que enfrentará. Sabe, pela Palavra que recebeu, que desta vida nada levará, senão a alegria de um encontro que revolucionou sua existência pessoal. Diz, com o apóstolo: “uma coisa faço, que é deixar as coisas que para trás ficam e avançar para as que estão diante de mim”. Apega-se a Cristo, nascido na manjedoura e morto na cruz, como símbolo e força para uma trajetória que conduz à glória eterna ao lado de Deus Pai. E sempre é tempo de confiar em Cristo e avançar.
No mundo, há dois tipos de pessoas: as que consideram o passado como carga e as que o consideram como caminho. No céu, haverá um só.
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