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PROGRAMA FIDELIDADE

Marcelo Gomes



O cartaz à porta não deixava dúvidas: “a cada dez refeições, uma é de graça”. Entrei. Pedi um dos pratos da casa. O lugar era agradável e parecia bem limpo. Comi. Pedi a conta e fui ao caixa, pagar.

- “Vinte e dois reais, tudo” – disse a mocinha, depois de somar na calculadora.

- “No débito, por favor.”

- “Quer fazer um cartão fidelidade?”

- “Quero...”

- “É simples” – explicou; “basta preencher os quadradinhos com dez carimbos do restaurante e pode fazer uma refeição de graça.”

- “Ok. Obrigado.”

Saí e, pela calçada, passei frente a uma agência de viagens. Muitos cartazes. Buenos Aires, Orlando, Maceió, Natal... um destino mais atraente que o outro. Abaixo, quase escondido, um adesivo de propaganda da empresa aérea. Sugeria que o candidato a turista se cadastrasse num programa de fidelidade. Com ele, acumularia “milhas” em vôo e poderia viajar de graça para qualquer lugar do país. Interessante.

Ao trabalho, já no carro, parei para abastecer. Um desses postos famosos, com bandeira conhecida. Faz propaganda na televisão.

- “Álcool ou gasolina” – perguntou o frentista.

- “Gasolina...”

- “Completa?”

- “Isso...”

- “Posso verificar o óleo e a água?”

- “Por favor.”

- “Gostaria de fazer o cartão do posto?”

- “Cartão?”

- “É... cartão fidelidade. Com ele o doutor ganha desconto na hora de encher o tanque.”

- “Hoje não”.

Fui para o escritório pensando na vida. Estou acostumado ao termo fidelidade. Sou cristão, pastor; ouço essa palavra desde pequeno. Mas não imaginava que estivesse tão banalizada. Cartão fidelidade? Programa de fidelidade? As pessoas têm noção do que significa ser fiel?

Logo, incomodei-me ainda mais. Percebi que o desafio da fidelidade nos nossos dias virou uma questão de vantagem. Não depende de valores morais, mas de interesses individuais. Não nasce do desejo por relacionamento, mas da ânsia por recompensa. Se for fiel, receberei benefícios que, de outro modo, não teria. Simples assim.

Acontece que fidelidade é fruto do amor. Quem ama é fiel. Mesmo quando não há promessas. Mesmo quando não existe ganho algum. Deus não é fiel porque terá vantagens ao final do processo, mas porque não pode negar a si mesmo. Deus é amor. É do amor assumir compromissos e os cumprir. Aquele que ama é nascido de Deus e cumpre toda a lei.

Percebi que comer dez vezes num mesmo lugar não me faz fiel; apenas constante. Assim como mudar de restaurante não me faz infiel; apenas alguém que gosta de variar. Quanto ao meu relacionamento com Deus, aqui sim, almejo fidelidade. Sei que não precisarei de cartões. O carimbo é no coração. E já fui carimbado. Uma vez por todas.

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